TOMUS AD FLAVIANUM
Denzinger - Hunermann (290-295)
Carta “Lectis dilectionis tuae”, ao bispo Flaviano de Constantinopla (“Tomus [1] Leonis”), 13 de junho de 449.
Nas controvérsias cristológicas da Igreja antiga, esta carta é considerada como um documento doutrinal importante e muito citado. Às vezes é chamada Tomus I para distingui-lo da carta (165) ao imperador Leão (cf. *317s), designada como Tomus II.
A encarnação do Verbo de Deus
(Cap. 2) [Êutiques], portanto, não sabendo o que devia pensar a respeito da encarnação do Verbo de Deus.... ao menos tivesse recebido com solícito acolhimento aquela profissão de fé comum e unânime pela qual todos os fiéis juntos professam crer “em Deus Pai onipotente e em Cristo Jesus, seu único Filho, nosso Seno, que nasceu do Espírito Santo e de Maria virgem [Símbolo dos Apóstolos *12]. ...
De fato, quando se crê que o Pai é Deus e onipotente, o Filho demonstra-se sempiterno juntamente com ele: em nada diferente do Pai, já que é Deus de Deus, onipotente do Onipotente; nascido do Eterno, é coeterno, não posterior quanto ao tempo, não inferior quanto ao poder, não diferente pela glória, não separado quanto à essência.
O mesmo sempiterno unigênito do Genitor sempiterno “nasceu do Espírito Santo e de Maria virgem”. Este nascimento temporal em nada diminuiu-lhe o nascimento divino e sempiterno, nem nada lhe acrescentou; mas ele se dedicou todo a recuperar o homem, que tinha sido enganado, com o fim de vencer a morte e de destruir com a sua força o diabo, que tinha o domínio da morte. De fato, não poderíamos vencer o autor do pecado e da morte, se não assumisse a nossa natureza e a fizesse sua aquele que nem o pecado pôde contaminar, nem a morte deter.
Foi, de fato, concebido do Espírito Santo no útero da virgem mãe, que o deu à luz, permanecendo intacta a sua virgindade, assim como com intacta virgindade o concebeu. ...
Ou talvez [Êutiques] pensou que o nosso Senhor Jesus Cristo não teve a nossa natureza, porque o anjo, mandado à bem-aventurada Maria, diz: “O Espírito Santo descerá sobre ti e (o) poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra: por isso, o santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus” [Lc 1,35] – como se a carne do concebido não fosse da natureza da parturiente porque a conceição da Virgem foi obra divina! Ao contrário, aquela geração singularmente admirável e admiravelmente singular não se deve entender no sentido de que, pela novidade da criação, seja removido o que é próprio do gênero: foi o Espírito Santo que deu à Virgem a fecundidade, mas a verdade do corpo foi tomada do corpo e, “edificando a Sabedoria uma casa para si” [Pr 9,1], “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” [Jo 1,14], isto é, naquela carne que tomou do homem e que o espírito da vida racional animou.
(Cap. 3) Assim, permanecendo intacta a propriedade de cada qual de ambas as naturezas, e convergindo elas em uma única pessoa, a humildade foi assumida pela majestade, a fraqueza, pelo poder, a mortalidade, pela eternidade; e, para pagar o débito da nossa condição, a natureza inviolável uniu-se à natureza passível, para que – como convinha para nos remediar – o único e mesmo “mediador de Deus e dos homens, o homem Cristo Jesus” [1Tm 2,5], por uma parte pudesse morrer e por outra não morrer. O Deus verdadeiro nasceu, portanto, numa íntegra e perfeita natureza de homem verdadeiro, inteiro no que é seu, inteiro no que é nosso – ora, chamamos nosso o que o Criador colocou em nós desde o início e que ele assumiu para repará-lo; pois o que o enganador introduziu e o homem enganado admitiu não tem vestígio algum no Salvador. ...
Ele assumiu a forma de servo sem a mancha do pecado, elevando o que é humano sem diminuir o que é divino, pois aquele esvaziamento no qual o invisível se ofereceu visível ..., foi um inclinar-se da misericórdia, não uma falta de poder.
(Cap. 4) O Filho de Deus entra, portanto, no que no mundo é fraco, descendo da sede celeste sem abandonar a glória do Pai, gerado numa ordem nova, num novo nascimento. Numa ordem nova: porque, invisível no que é seu, se fez visível no que é nosso; incompreensível, quis ser compreendido; permanecendo antes dos tempos, começou a existir no tempo; Senhor de todas as coisas, assumiu a forma de servo, cobrindo com sombra a imensidão da sua majestade; Deus impassível não desdenhou ser homem passível; e imortal, <não desdenhou> sujeitar-se às leis da morte. Gerado, mas num novo nascimento: porque a virgindade inviolada ignorou a concupiscência e subministou a matéria da carne. Da mãe do Senhor foi assumida a natureza, não a culpa; e no Senhor Jesus Cristo nascido do seio da Virgem a natureza não é diferente da nossa por ser admirável o <seu> nascimento. De fato, ele que é verdadeiro Deus é ao mesmo tempo verdadeiro homem, e nesta unidade não há mentira alguma, enquanto são imutáveis a humanidade do homem e a elevação da divindade. Pois assim como Deus não muda pela misericórdia, assim o homem não é absorvido pela dignidade. De fato, cada uma das duas formas opera em comunhão com a outra o que lhe é próprio: isto é, o Verbo opera o que é do Verbo, a carne opera o que é da carne. Dessas <realidades>, uma brilha nos milagres, a outra é submetida nos ultrajes. E como o Verbo não abandona a igualdade da glória do Pai, também a carne não abandona a natureza do nosso gênero.
Não é da mesma natureza dizer: “Eu e o Pai somos uma só coisa” [Jo 10,30] e dizer: “O Pai é maior do que eu” [Jo 14,28]. De fato, se bem que no Senhor Jesus Cristo seja una a pessoa de Deus e do homem, todavia, uma coisa é de onde <deriva> em ambos a comum ultraje, outra coisa, de onde <deriva> a glória comum. Com efeito, da nossa natureza ele tem a humanidade inferior ao Pai, do Pai a divindade igual ao Pai.