I. Origem
A quaresma foi se formando progressivamente, como uma preparação para a Páscoa segundo exigências próprias do sentido da vida cristã. No início do IV século, temos alusão direta à fase preparatória da Páscoa no Oriente. No Ocidente, o mesmo dar-se-á no final do mesmo século. Se bem que, desde o II séc., a prática do jejum já estava se afirmando como um dos pontos essenciais da espiritualidade quaresmal. A partir do final do séc. IV, a quaresma passa a ser estruturada em quarenta dias, dentro de um simbolismo bíblico, que se fundamenta no princípio salvífico-redentor. Podemos citar os quarentas anos do povo de Deus no deserto, os quarentas dias de Elias também no deserto, os quarenta dias de Jesus no deserto, etc. Marcante para o desenvolvimento da quaresma foi implantação da disciplina penitencial para a reconciliação dos pecadores que ocorria na manhã da quinta-feira santa e as exigências sempre crescentes do catecumenato com a preparação imediata no batismo, celebrado na noite de páscoa.
Atualmente, a quaresma é celebrada conforme a recomendação do Concílio Vaticano II: “Tanto na liturgia quanto na catequese litúrgica, esclareça-se melhor a dupla índole quaresmal, que, principalmente pela lembrança ou preparação do batismo e pela penitência, fazendo os fiéis ouvirem com mais freqüência a palavra de Deus e entregarem-se à oração, os dispõe à celebração do mistério pascal. Por isso, utilizem-se com mais abundância os elementos batismais próprios da liturgia quaresmal; segundo as circunstâncias, restaurem-se certos elementos da tradição anterior. Diga-se o mesmo dos elementos penitenciais” (SC 109).
A partir dessa recomendação, nosso olhos se voltam para dois eventos: a páscoa do Senhor e o batismo recebido. Tais eventos tem uma preparação que se inicia na quarta-feira de cinzas e se estende até a quinta-feira santa, subtraindo-se aqui a Santa Missa da Ceia do Senhor (“in Coena Domini”), que faz parte do tríduo pascal. No VI domingo, temos o início da semana santa. Este domingo é chamado “domingo de ramos, da paixão do Senhor (de passione Domini)”. A semana santa, encerrando a quaresma, é caracterizada pela veneração da paixão de Cristo desde sua entrada messiânica em Jerusalém.
Conforme o lecionário dominical, a quaresma é vivida nos ciclos a, b e c em três focos essenciais: no ano A, a Igreja mergulha profundamente no sentido batismal da fé, tendo em vista a iniciação cristã; no ano B, a Igreja, como verdadeiro corpo de Cristo e autêntica discípula do mesmo Cristo, aprofunda a centralidade cristológica de sua fé; e no ano C, a Igreja vive mais o sentido quaresmal da penitência. Esses focos são vivenciados dentro do contexto histórico-salvífico-quaresmal, aprofundado com as leituras do AT.
II. Teologia e espiritualidade da quaresma
A quaresma teologicamente deve ser interpretada a partir do mistério pascal, celebrado no tríduo sagrado e com os sacramentos pascais que tornam presente esse mistério para que seja vivido e participado.
A quaresma é o tempo de experiência mais viva da participação no mistério pascal de Cristo: “participamos dos seus sofrimentos para participarmos também da sua glória” (Rm 8,17). Por isso, a quaresma tem um caráter sacramental: tempo em que Cristo purifica a Igreja, sua esposa (cf. Ef 5,25-27).
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