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Foto do escritorJosé Erinaldo Ferreira de Lima

A RESSURREIÇÃO DE JESUS

A ressurreição corporal de Jesus era professada tranquilamente pela Igreja nascente, sem que os judeus ou outros adversários a pudessem apontar como termo de fraude ou de alucinação. De resto, o sepulcro vazio de Jesus era um testemunho que corroborava a notícia. Nunca esta teria passado adiante se o sepulcro de Jesus não estivesse vazio. De resto, os Apóstolos só podiam apregoar a ressurreição de Mus vencidos pela evidência dos fatos, pois não estavam predispostos a supô-la ou admiti-la; antes, haviam perdido todo ânimo quando viram o Mestre preso e condenado; a noção mesma de um Messias crucificado só podia parecer escandalosa e blasfema.


Quem nega a ressurreição corporal de Jesus, deve logicamente admitir que vinte séculos de Cristianismo (sempre apregoado com a mensagem da ressurreição) estão baseados sobre mentira ou doença mental. Ora esta hipótese é mais exigente ou supõe um maior milagre do que a tese mesma da ressurreição de Jesus devida à Onipotência Divina. É mais razoável crer na ressurreição de Jesus do que explicar a pujança do Cristianismo por um sonho de gente. desonesta ou alucinada.


As implicações teológicas da ressurreição de Jesus são principalmente as três seguintes:


1) corroborar e autenticar a pregação de Jesus, pois se Deus pode ressuscitar um morto; se ressuscitou Jesus, quis assim pôr sua chancela sobre a missão de Cristo;


2) é penhor da nossa própria ressurreição, pois há continuidade entre a sorte de Cristo e a nossa própria sorte;


3) foi condição para que o Espírito Santo fosse enviado aos homens como rematador da obra de Cristo; é o Espírito Santo quem congrega todos os povos no Corpo de Cristo que é a Igreja, a fim de que recebam de Cristo Sacerdote as graças necessárias para chegarem à vida eterna.


A ressurreição de Jesus constitui artigo fundamental da fé cristã, a ponto que São Paulo pode dizer: “Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação; vazia também é a vossa fé… Se Cristo não ressuscitou, vazia é a vossa fé; ainda estais nos vossos pecados” (1Cor 15, 14.17). Na verdade, talvez queira alguém pensar que a mensagem do Cristianismo é tão rica e bela que ela pode dispensar a proposição da ressurreição de Jesus; esta não faria falta… Verifica-se, porém, que nos escritos do Novo Testamento e nos da imediata Tradição cristã é tal a ênfase na ressurreição de Jesus que ela deve ocupar lugar primordial e indispensável no conjunto das verdades da fé. Em consequência, procuraremos, nas páginas seguintes, examinar as credenciais ou a credibilidade dessa proposição; após o que examinaremos o seu sentido teológico.


1. A ressurreição de Jesus: credibilidade


A credibilidade da ressurreição de Jesus baseia-se sobre duas principais pilastras:


1) o testemunho dos Apóstolos e da Igreja nascente;


2) o sepulcro vazio.


1.1. O testemunho dos Apóstolos


1.1.1. Observações preliminares


1) Antes de percorrer os depoimentos dos Apóstolos, deve se notar que eles não tinham disposições psicológicas para “inventar” a notícia da ressurreição de Jesus ou para “sonhar alucinadamente” com tal evento. Ainda impregnados das concepções de um messianismo nacionalista e político, capitularam quando viram o Mestre preso e aparentemente fracassado; fugiram para não ser p presos eles mesmos (cf. Mt 26, 31s); Pedro renegou o Senhor (cf. Mt 26, 33-35). 0 caso de Tomé é o mais significativo: resistiu ao testemunho dos demais Apóstolos e pediu provas palpáveis da ressurreição (cf. Jo 20, 24-29). Somente após a evidência do fato, rendeu-se à verdade.


2) O conceito de um Deus morto e ressuscitado na carne humana era totalmente alheio à mentalidade dos judeus. Estes tendiam a distanciar cada vez mais dos homens o Senhor Deus; nem sequer pronunciavam o nome Javé por receio de o profanarem (circunscreviam no mediante as locuções o Eterno, o Céu, a Glória, o Nome, Ele. . .; cf. 1 Mc 3, 18.50.60; 4, 10.24…). Por conseguinte, não emergiria espontaneamente do espírito dos Apóstolos a noção de um Deus feito homem, morto na Cruz e ressuscitado: tal ideia era escandalosa para Israel (como era loucura para os gregos), conforme nota São Paulo em 1Cor 1,23. Só após séria relutância os Apóstolos reconheceram o fato da ressurreição de Jesus; cf. Mt 28, 17; Mc 16, 11.13s; Lc 24, 11.25.37­41.45.


3)É de notar outrossim que a pregação dos Apóstolos era severamente controlada pelos judeus, de tal modo que qualquer mentira seria imediatamente denunciada; os membros do Sinédrio eram ciosos de encontrar algum título de acusação contra os Apóstolos, mas não o encontraram, a ponto que Gamaliel recomendou aos correligionários: “Deixai de ocupar vos com estes homens. Soltai-os, pois, se o seu intento ou a sua obra provém dos homens, destruir-se-á por si mesma; se vem de Deus, porém, não podereis destruí-los. E não aconteça que vos encontreis movendo guerra a Deus” (At 5, 380. Por conseguinte, se a ressurreição de Jesus, apregoada pelos Apóstolos não correspondesse a um fato real ou se pudesse ser apontada como mentira fraudulenta, os judeus não teriam perdido a ocasião de o fazer. Se não o fizeram, isto se deve à impossibilidade de demonstrar a falsidade de tal notícia.


1.1.2. Os textos do Novo Testamento


1) Um dos textos mais expressivos é o de 1Cor 15,1-8: “‘ Faço iras conhecer, irmãos, o Evangelho que vos preguei, o mesmo que vós recebestes e no qual permaneceis firmes.


2) Por ele também sereis salvos, se o conservardes tal como vo-lo preguei. . . a menos que não tenha fundamento a vossa fé.


3) Transmiti-vos, antes de tudo, aquilo que eu mesmo recebi, a saber, que Cristo morreu por nossos pecados, conforme ais Escrituras, e que foi sepultado e que ressuscitou ao terceiro dia conforme as Escrituras s e que apareceu a Cefas, depois aos doze. Posteriormente apareceu de uma vez a mais de quinhentos irmãos, dos quais a maior parte vive até hoje, alguns, porém, já morreram. Depois apareceu a Tiago e, em seguida, a todos os Apóstolos. Por fim, depois de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo”


Estes dizeres são de época muito antiga ou do sexto decênio do século I (56/57); pouco mais de vinte anos apenas os separam da Ascensão de Jesus. Referem se à pregação que São Paulo realizou em Corinto entre os anos de 50 e 52; nessa época, o Apóstolo entregou aos fiéis os ensinamentos que lhe haviam sido anteriormente entregues. Aliás, também em 1Cor 11, 23 afirma o Apóstolo ter transmitido aos coríntios o que lhe fora transmitido, a saber: a mensagem referente à Ceia do Senhor.


E quando recebeu Paulo tais ensinamentos? Ou por ocasião da sua conversão, que se deu aproximadamente no ano de 35, ou no ensejo de sua visita a Jerusalém, que teve lugar em 38, ou, ao mais tardar, por volta do ano de 40. Observe-se agora o estilo do texto de 1 Cor 15, 3-8: as frases são curtas, incisivas, dispostas segundo um paralelismo que lhes comunica um ritmo notável. Abstração feita dos vv. 6 e 8, dir-se-ia que se trata de fórmulas estereotípicas, forjadas pelo ensinamento oral e destinadas a ser frequentemente repetidas. Nesses versículos encontram-se várias expressões que não ocorrem em outras cartas de São Paulo: assim “conforme as Escrituras”, “no terceiro dia”, “aos doze”, “apareceu, óphthe” (expressão que só ocorre sob a pena de São Paulo num hino citado pelo Apóstolo em 1 Tm 3,16).


Em particular, o verbo óphthe ocorre quatro vezes nos vv. 5-8. Significa “apareceu, deu se a ver, mostrou-se”. É o vocábulo técnico para designar as aparições de Jesus ressuscitado; cf. Lc 24, 34; At 9, 17; 13,31; 26,1. Tal verbo afasta a hipótese de que os Apóstolos tenham tido alucinações meramente subjetivas ou imaginosas; “deu-­se a ver” supõe a realidade corpórea de Jesus, que os Apóstolos puderam apalpar; cf. Lc 24, 37-41. Tem seu sinônimo em At 10, 40s: “Deus O ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-Ihe ,que se tornasse manifesto… a nós, que comemos e bebemos com Ele após “”a sua ressurreição”. Estas indicações evidenciam que São Paulo em 1Cor 15, 3-8 reproduz uma fórmula de fé que ele mesmo recebeu já definitivamente redigida poucos anos (dois, cinco, oito anos?) após a Ascensão do Senhor Jesus. O v.6, quebrando o ritmo do conjunto, talvez tenha sido introduzido posteriormente; quanto ao v.8, é por certo’ uma notícia pessoal que São Paulo acrescenta ao bloco. Vê-se, pois, que desde os primeiros anos da pregação do Evangelho já existia entre os fiéis uma profissão de fé na ressurreição de Cristo formulada em frases breves e impregnantes; tais frases eram transmitidas como expressões exatas da mensagem dos Apóstolos. Ora essa fórmula de fé antiqüíssima professa a ressurreição corpórea de Cristo como realidade histórica. Para a comprovar, havia testemunhas oculares das quais, diz São Paulo, muitas ainda viviam vinte e poucos anos após a ressurreição do Senhor.


Tal depoimento de primeira hora, concebido e transmitido pelos ditos imediatos do Senhor, já seria argumento suficiente para remover qualquer teoria tendente a desvirtuar a fé na ressurreição corporal de Cristo. Esta fé não surgiu tardiamente na história das primeiras comunidades cristãs, mas é o eco direto da missão de Cristo acompanhada dia a dia pelos Apóstolos. A 1ª carta de São Paulo aos Coríntios quer incutir aos fiéis a noção de ressurreição de todos os mortos. Esta perspectiva horrorizava os gregos, pois lhes parecia equivaler à volta ao cárcere ou ao sepulcro do corpo. Na sua argumentação o Apóstolo parte do fato da ressurreição de Cristo, verdade tranqüilamente aceita por todos; o que eles punham em dúvida, era sua própria ressurreição. t Se se prega que Cristo ressuscitou dos mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, vazio é’0 nossa pregação, vazia também é a vossa fé” (1 Cor 15, 12-14)


Vê se, pois, que a Igreja antiga estava convicta da ressurreição de Crista::Nem todos, porém, queriam aceitar semelhante sorte para si, por motivos filosóficos.


Vem ao caso ainda o texto de Lc 24, 36-43: “Jesus se apresentou no meio dos Apóstolos e disse: A paz esteja convosco’.’ Tomados de espanto e temor, imaginavam ver um. espírito. Mas ele disse: Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações? Vede minhas mãos e meus pés: sou eu’. Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne nem ossos, como estais vendo que eu tenho’. Dizendo isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E, como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos, disse-lhes: ‘Tendes o que comer?’ Apresentaram-lhe um pedaço de peixe assado. Tomou-o então e comeu-o diante deles”.


Aos Apóstolos amedrontados, que julgavam ver um fantasma, Jesus pede que o apalpem e verifiquem que tem carne e ossos: “Vede minhas mãos e meus pés, vede que sou eu mesmo” (Lc 24, 39). Além disto, comeu na presença deles para lhes incutir o realismo de sua corporeidade ressuscitada (vv. 42s). Também é importante o texto de Jo 20, 19s: na noite de Páscoa, Jesus aparece aos discípulos e dá-lhes a tocar suas mãos e seu lado, certamente porque aí estavam as chagas que o identificavam como o Senhor morto e ressuscitado. A São Tomé, incrédulo, disse Jesus com mais ênfase ainda: “Põe teu dedo aqui, e vê minhas mãos. Estende tua mão e põe-na no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crê”. Respondeu=lhe Tomé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20, 27s). A pouca fé do Apóstolo foi assim vencida pela evidência dos fatos.


Examinemos agora os testemunhos relativos a:


1.2. O sepulcro vazio


O primeiro acontecimento da manhã do domingo de Páscoa foi a descoberta do sepulcro vazio; cf. Mc 16, 1-8. Os chefes dos judeus tomaram consciência do significado deste fato, e resolveram dissipá-la: “Deram aos soldados uma vultosa quantia de dinheiro, recomendando: ‘Dizei que os seus discípulos vieram de noite, enquanto dormíeis, e roubaram o cadáver de Jesus. Se isto chegar aos ouvidos do Governador, nós o convenceremos, e vos deixaremos sem complicação’. Eles tomaram o dinheiro e agiram de acordo com as instruções recebidas. E espalhou-se esta história entre os judeus até o dia de hoje” (Mt 28, 12-15).


Ao comentar este episódio, S. Agostinho salienta a sua índole ridícula; os guardas não podiam ser testemunhas de algo ocorrido durante o sono dos mesmos. Quem dormiu, não foram os guardas, mas foram os chefes dos teus, que deram tais ordens aos guardas.


O sepulcro vazio, na verdade, era condição indispensável para que os tolos pudessem anunciar a ressurreição de Jesus pouco tempo depois sua morte (cf. At 2, 24-32). A pregação da ressurreição de Jesus, por dos Apóstolos, teria sido totalmente desacreditada se em Jerusalém desse mostrar um sepulcro a conter o cadáver de Jesus em decomposição arautos da ressurreição teriam sido escarnecidos se o sepulcro ode Jesus não falasse em favor deles. ” O sepulcro vazio significa que o cadáver de Jesus foi assumido pela humana de Jesus, de modo a reconstituir a sua natureza íntegra, à estava unida a Divindade da segunda Pessoa da SS. Trindade.


A esta altura quatro dúvidas merecem consideração.


1.3.1. O Docetismo


Já no século primeiro do Cristianismo alguns pensadores, repudiando a matéria como algo de mau em si, afirmavam que Jesus não ressuscitara cor­poralmente. Tais eram os Docetas e os Gnósticos; o dualismo “matéria x espírito não lhes permitia admitir que a Divindade tivesse glorificado a matéria ressuscitando-a após a morte; por conseguinte, diziam que Jesus ressuscitado apenas uma aparência, mas não a realidade, de um corpo material; o cadáver de Jesus, no caso, teria sofrido a decomposição do sepulcro.


A esta objeção respondemos:


1) Seja recordada a ênfase com que os evangelistas incutem a presença das chagas e das notas típicas do corpo de Jesus após a ressurreição;


2) O corpo não é um acidente estranho ao ser humano; muito menos é cárcere ou sepulcro da alma; esta não é um anjo punido na carne, mas foi para se aperfeiçoar na carne humana. Isto quer dizer que o corpo é responsável pela sorte (mísera ou gloriosa) da pessoa; com seus afetos e ele integra a personalidade. Por isto também é conveniente que ele participe do estado póstumo, reunido à alma humana pela ressurreição. por isto que o Filho de Deus quis assumir a natureza corpórea do homem viveu as sucessivas etapas da vida humana o nascer, o crescer, o trabalhar o lutar, o sofrer e o morrer e ressuscitou, restaurando a carne humana, que servira de instrumento ao pecado. Em consequência, todo homem sabe que é chamado à consumação da vida em sua condição psicossomática. Para afirmar estas verdades frente aos Gnósticos do século III, o escritor cristão Tertuliano (t220 aproximadamente) escrevia “Caro cardo salutis. A carne é o gonzo da salvação”, isto é, mediante a carne de Cristo morta e ressuscitada veio a salvação ao mundo.


1.3.2. A desmitização contemporânea


A escola de Rudolf Bultmann julga que todo episódio transcendental só pode ser ficção ou mito. Por isto nega a ressurreição corpórea de Jesus. Afirma, sim, que o que ressuscitou foi a Palavra de Deus; esta foi ameaçada de sufocação pelos judeus perseguidores, mas superou as adversidades e propagou-se vitoriosamente pelas regiões do Império Romano. A mensagem de Jesus assim ressuscitou, e não o mensageiro.


Respondemos: a teoria da desmitização ressente-se de um preconceito racionalista, tão dogmático quanto o Credo que ela combate: de antemão nega qualquer possibilidade de milagre; por conseguinte, tem que procurar uma explicação natural para o anúncio da ressurreição de Jesus, sem levar em conta os textos do Novo Testamento, que são assim violentados. Ora as proposições gratuitamente preconcebidas não fazem parte do âmbito da ciência. Esta é objetiva; examina os dados de cada questão, sem predefinir a respectiva solução.


Ademais seja aqui recordado tudo quanto anteriormente foi dito em resposta à objeção doceta-gnóstica.


Ainda é de se ponderar o seguinte: se a ressurreição de Cristo não fosse real, o Cristianismo estaria baseado sobre enorme mentira ou alucinação, pois os pregadores do Evangelho nunca anunciaram a Boa-Nova sem incluir necessariamente a notícia da ressurreição corporal do Senhor. Algo de falso ou de mórbido seria o pedestal de vinte séculos de Cristianismo. Ora tal hipótese supõe um portento ou um milagre de primeira grandeza; as mentiras ou falsidades não resistem ao tempo e, cedo ou tarde, são desvendadas (tal foi o caso da lenda dos LXX, da “Doação de Constantino”, das “Decretais do Pseudo-Isidoro”, das obras do Pseudo-Dionísio Areopagita. . .). Ora até hoje não se pôde derrubar a crença na ressurreição de Cristo como se fosse lendária ou mítica. As teorias que tencionam fazê-lo (alegando fraude dos Apóstolos ou sepultamento de Cristo ainda vivo) se comprovam como ridículas e destituídas de peso científico.


É, por conseguinte, mais razoável crer no milagre da ressurreição de Cristo por obra da Onipotência Divina do que crer que, segundo o “milagre” do racionalismo moderno, a mentira e a doença mental tenham dado o fruto de vinte séculos de Cristianismo,… séculos que foram certamente beneméritos não só para a religião, mas também para a cultura e o progresso da humanidade. O edifício, do Cristianismo logicamente requer um pedestal mais sólido do que a desonestidade e a debilidade mental.


1.3.3. A ressurreição: fato histórico?


Há quem negue em nossos dias a historicidade não, porém, a realidade da ressurreição de Jesus. Como efeito; dizem que não pode ser tido como histórico o acontecimento que não caia sob o controle do método da pesquisa histórica, ou seja, o acontecimento que tenha aspectos transcendentais. Ora Cristo ressuscitado já não morre; não retornou à vida mortal (como Lázaro, a filha de Jairo e o filho da viúva de Naím voltaram; cf. Jo 11, 1-44; Mc 5, 21-43; Lc 7, 11-17); não mais esteve sujeito à doença e à morte; adquiriu um corpo glorioso, pertencente a outra ordem de coisas. Além disto, dizem, a ressurreição de Jesus não foi observada por nenhuma testemunha; quando as mulheres chegaram ao sepulcro, já o encontraram vazio.


Em resposta, notamos que a questão se reduz ao uso do vocábulo “histórico”, sem que os objetantes tencionem negar a realidade da ressurreição de Jesus. É, portanto, relativamente secundária. Todavia gera equívocos, pois pode parecer negar a própria ressurreição do Senhor. Por isto não é recomendável dizer que esta não foi um fato histórico. O teólogo protestante W. Pannenberg muito sabiamente propõe outra noção de “histórico”: é histórico todo evento que possa caber em coordenadas de espaço e tempo, ou seja, todo evento que tenha acontecido em determinado momento e em determinado lugar; ora a ressurreição de Jesus pode ser datada (9 de abril do ano 30, com muita probabilidade), como também pode ser situada na Palestina, em Jerusalém, ficando o sepulcro vazio como indicação topográfica. Daí poder-se dizer que a ressurreição de Jesus não foi somente um fato real, mas também foi um fato histórico, segundo Pannenberg e teólogos de autoridade.


1.3.4. “Jesus não chegou a morrer na Cruz, mas apenas perdeu os sentidos”


Este assunto já foi abordado em PR 321/1989, pp. 85-89. A hipótese aventada não só é totalmente gratuita, mas ainda é francamente contraditada pelo golpe de lança que foi infligido a Jesus e que bastaria para matá-lo, pois atingiu o coração. Tal hipótese, portanto, gratuita como é, carece de valor científico.


2. O sentido teológico da ressurreição


Distinguiremos três aspectos teológicos da ressurreição de Cristo.


2.1. Sinete de autenticação


Jesus, como homem, morreu após haver pregado o Evangelho, que desagradou aos judeus. O Pai o quis ressuscitar testemunhando, por este sinal de sua onipotência, a autenticidade da pregação de Jesus. Não sem razão as fórmulas de fé mais antigas apresentam o Pai como autor da ressurreição de Jesus: “Deus ressuscitou esse Jesus, e disto nós todos somos testemunhas” (At 2, 32), disse São Pedro no dia de Pentecostes (Não há dúvida de que Jesus, como Deus, também ressuscitou a sua humanidade, comungando com o Pai e o Espírito Santo numa só atividade). A propósito escreve João Paulo II na encíclica Dives in Misericordia: “A cruz não é a última palavra do Deus da aliança: essa palavra será pronunciada na alvorada quando as mulheres, em primeiro lugar, e os discípulos, depois, indo ao sepulcro do Crucificado, verão o túmulo vazio e proclamarão pela primeira vez: ‘Ressuscitou!’ ” (n° 7).


Com efeito; nenhum homem pode ressuscitar um morto. Por conseguinte, se Jesus, como homem, ressuscitou, isto é obra de Deus, que assim quis dar um sinal comprovante da messianidade do Ressuscitado.


Ressuscitando Jesus, o Pai houve por bem fazê-lo Kyrios ou Senhor de todos os homens e da sua história, como atestam alguns textos bíblicos:


At 2, 36: Diz São Pedro no dia de Pentecostes: ‘Saiba com certeza toda a Casa de Israel: Deus o constituiu Senhor (Kyrios) e Cristo, este Jesus a quem vós crucificastes”.


Rm 14, 9: “Cristo morreu e reviveu para ser o Senhor dos mortos e dos vivos’:


FI 2, 9-11: ‘Deus sobre exaltou Jesus grandemente e O agraciou com o Nome que está acima de rodo nome, para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho. . . e, para a glória de Deus Pai, toda língua confesse: Jesus é o Senhor’.


Rm 10, 9: ‘ Se confessares com tua boca que Jesus é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”.


Note-se que Kyrios era, na linguagem oficial dos romanos, o designativo do Imperador. Cf. At 25, 26: diz Festo, procurador romano: “Nada tenho de concreto sobre Paulo, para escrever ao Kyrios (= Imperador)”. À luz destas observações, entende-se que o Apocalipse apresente Jesus como o Senhor dos tempos: é o Cordeiro que em suas mãos traz o livro da história; este vai-se abrindo aos poucos e os acontecimentos vão-se desenrolando na terra; nada, porém, do que acontece neste mundo, está fora do âmbito desse livro ou escapa ao senhorio de Jesus Cristo; cf. Ap 5, 1-14. Aliás, o próprio Jesus declara em Ap 1, 17s: “Eu sou o Primeiro e o último, o Vivente; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da Morte e da região dos mortos”.


2.2. Processo que se prolonga em todos os homens


Segundo os escritos do Novo Testamento, a ressurreição de Jesus não é um fato fechado em si, mas é o início de um processo que se estende a todos os homens. Com efeito; São Paulo chama Cristo ressuscitado “o Primogênito dentre os mortos” (Cf 1,18). A Ele, ressuscitado em primeiro lugar, seguir-se-á a ressurreição dos irmãos: `Cada qual na sua ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, por ocasião da sua segunda vinda; a seguir, haverá o fim” (1Cor 15, 23s).


Desde toda a eternidade, o Pai houve por bem fazer-nos conformes à imagem do seu Filho ressuscitado, como escreve São Paulo em Rm 8,29s: “Os que Ele conheceu de antemão, também os predestinou a ser conformes à imagem de seu Filho, a fim de ser Ele o primogênito entre muitos irmãos. E os que predestinou, também os chamou, e os que chamou, também os justificou, e, os que justificou, também os glorificou.


O significado deste texto se percebe bem se se dá atenção às fórmulas paralelas: “Primogénito entre muitos irmãos” (Rm 8, 29) e “Primogênito dentre os mortos” (Cf 1, 18). O ser primogênito, modelo dos irmãos, implica “ser o primeiro a ressuscitar dentre os mortos”. Os mortos ressuscitarão à semelhança da ressurreição de Cristo.


O mesmo São Paulo se compraz em desenvolver esta doutrina, afirmando que na ressurreição de Cristo teve início a nossa própria ressurreição. Eis a ousada sentença do Apóstolo, que mais adiante merecerá explicação mais detida: “Quando estávamos mortus em nossos delitos, (Deus Pai) vivificou-nos juntamente com Cristo pela graça fostes salvos! e com Ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus, em Cristo Jesus” (Ef 2, 5s).


O mesmo ocorre em Cf 3, 1-4: “Se ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensai nas coisas do alto, e não nas da terra, pois morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, se manifestar, então vós também com Ele sereis manifestados em glória”.


Pergunta-se: em que sentido já fomos ressuscitados e glorificados com Cristo, se ainda somos pecadores e mortais? A resposta é dupla:


1) Cristo, como homem, tendo sido ressuscitado e glorificado, mereceu para todo o gênero humano o direito a semelhante sorte. Uma porção da natureza humana acha-se glorificada em penhor de que a natureza humana inteira venha a ser também glorificada. Uma parte de nós ou a Cabeça do gênero humano está nos céus, na expectativa de que o resto do corpo chegue ao mesmo termo.


2) Todavia não apenas um penhor ou um direito nos foi concedido mediante a Páscoa de Cristo. Um autêntico principio de vida nova ou definitiva foi depositado dentro de nós por ocasião de um evento muito concreto de nossa existência: o Batismo. São Paulo o diz sinteticamente em Cf 2,12: “Fostes sepultados com Cristo no Batismo; também com Ele ressuscitastes, porque acreditastes no poder de Deus, que o ressuscitou dos mortos”.


Esta ideia é explicitada em Rm 6, 3-11. São Paulo tem em vista o modo como o Batismo era ministrado na Igreja antiga: o catecúmeno era mergulhado em uma piscina (o que significava o morrer e ser sepultado com Cristo) e retirado d'água (o que significava o ressuscitar com Cristo). Em última análise, isto quer dizer que o Batismo confere uma participação sacramental na morte e ressurreição de Jesus; este ato sacramental tem que ser reafirmado e desdobrado na vida ética do cristão dia por dia: é preciso morrer com Cristo para o pecado e ressuscitar com Cristo para uma vida cada vez mais condizente com o modelo do Cristo Jesus; evitando o pecado e desenvolvendo a vida nova, o cristão chegará à gloriosa ressurreição final: “Se nos tornamos uma só coisa com Ele por uma morte semelhante à sua, seremos também uma só coisa com Ele por uma ressurreição semelhante á sua” (Rm 6,5). “Se morremos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele” (Rm 6,8). Ou ainda: “Pelo batismo fomos sepultados com Cristo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,4).


Numa palavra: o Batismo é o início ou o gérmen da nossa ressurreição e nos levará à plenitude da vida, se soubermos fomentar esse gérmen pela renúncia ao pecado e pelo exercício das virtudes cristãs.


2.3. O dom do Espírito


Jesus quis associar sua glorificação ao dom do Espírito Santo, que Ele havia de outorgar aos homens como penhor de sua plena santificação. Assim, por exemplo, lê-se em Jo 7, 37-39: “ No último dia da festa, o mais solene, Jesus, de pé, disse em alta voz: “Se alguém tem sede, venha a Mim, E beba aquele que crê em Mim! Conforme a palavra da Escritura, Do seu seio jorrarão rios de água viva”. Ele falava do Espírito, que deviam receber aqueles que tinham acreditado nele, pois não havia ainda Espírito, porque Jesus ainda não fora glorificado”.


Como se depreende, os rios de água viva provenientes do Messias significam o Espírito Santo, que devia ser dado aos homens em consequência da glorificação de Jesus (‘ O texto bíblico subjacente a esta afirmação de Jesus é o de Ez 47, 1-12: o profeta descreve uma grande torrente que sai do Templo de Jerusalém e que se dirige para o deserto, convertendo-o em jardim e pomar, imagem dos frutos do Espírito Santo enviado por Jesus após a sua Ascensão)


.Na última ceia, Jesus voltou a prometer: “Eu vos digo a verdade: A de vosso interesse que eu parta, pois, se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas, se eu for, enviá-lo-ei a vós” (Jo 16, 7). “Tenho ainda muito que vos dizer, mais não podeis agora suportar. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos comunicará as coisas futuras” (Jo 16, 12s). “O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos disse” (Jo 14,26).


É, pois, o Espírito Santo que completa a obra salvífica de Jesus, reunindo os homens num só Corpo, do qual Cristo é a Cabeça e o Espírito é o princípio vivificante. É o Espírito que nos faz “filhos no FILHO” (cf. Rm 8, 15; GI 4,6) e nos impele a voltar ao Pai (cf. Ef 2, 18). Glorificado nos céus e enviando-nos o seu Espírito, Jesus adquire um modo de presença novo aqui na terra: perde a presença física, sempre limitada a um só lugar, para se fazer sacramentalmente presente; a Igreja é o Grande Sacramento de Jesus, no qual são ministrados aos homens os sete sacramentos ou sete canais da graça, que atingem cada criatura desde o nascer até o morrer. S. Agostinho exprime muito vivamente este modo de agir de Cristo, ao comentar as palavras de João Batista em Mt 3, 11: “Ele vos batizará no Espírito Santo”: “Batize Pedro, é Cristo quem batiza. Batize Paulo, é Cristo quem batiza. Batize Judas, é Cristo quem batiza” (In loannis Evangelium 5,7).


Por trás da ação litúrgica do ministro humano, efetuada em nome de Cristo, e através das suas palavras pobres, é Cristo quem age, exercendo o seu sacerdócio, quando consagra o catecúmeno pelo Batismo, quando consagra o pão e o vinho na Eucaristia, quando perdoa os pecados no sacramento da Reconciliação, quando une os cônjuges em matrimônio… Não é simplesmente Deus Filho quem purifica e santifica os homens, mas é Jesus Cristo o Filho feito homem e glorificado para ser nosso Sacerdote Perpétuo quem exerce o seu pontificado na Igreja vivificada pelo Espírito Santo.


Tal é o alcance teológico da glorificação (ressurreição e ascensão) de Jesus. O Senhor rompe os limites dos tempos e se faz presente a todos os tempos, sempre vivente para interceder por nós (Hb 7,25) junto ao Pai no “santuário celeste” (H b 9,12.24) e junto a nós em nossos santuários terrestres; onde Ele nos prepara para uma ressurreição semelhante à sua.


Dom Estevão Tavares Bettencourt, osb - A RESSURREIÇÃO DE JESUS


Fonte: Alangomes2004’s Blog Pergunte e Responderemos

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