VIA SACRA
MEDITAÇÕES E ORAÇÕES DO CARDEAL JOSEPH RATZINGER Coliseu 2005, adaptada para 2021 pelo Pe. José Erinaldo
ORAÇÃO INICIAL
V/. Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.R. Amen.
Senhor Jesus Cristo, por nós aceitastes a sorte do grão de trigo que cai na terra e morre para produzir muito fruto (Jo 12, 24). E convidais-nos a seguir-Vos pelo mesmo caminho quando dizeis: «Quem ama a sua vida perdê-la-á, e quem neste mundo aborrece a sua vida conservá-la-á para a vida eterna» (Jo 12, 15). Mas nós estamos agarrados à nossa vida. Não queremos abandoná-la, mas reservá-la inteiramente para nós mesmos. Queremos possuí-la; não oferecê-la. Mas Vós seguis à nossa frente e mostrais-nos que só dando a nossa vida é que podemos salvá-la. Acompanhando-Vos na vossa Via-Sacra, quereis que sigamos o caminho do grão de trigo, o caminho duma fecundidade que dura até à eternidade. A cruz – a oferta de nós mesmos – custa-nos muito. Mas, na vossa Via-Sacra, carregastes também a minha cruz, e não o fizestes num momento remoto qualquer, porque o vosso amor é contemporâneo à minha vida. Hoje mesmo carregais a cruz comigo e por mim, e, de modo admirável, quereis que agora também eu, como outrora Simão de Cirene, carregue convosco a vossa cruz e, acompanhando-Vos, me coloque convosco ao serviço da redenção do mundo. Ajudai-me para que a minha Via-Sacra não seja apenas um fugidio devoto sentimento. Ajudai- nos a acompanhar-Vos não somente com nobres pensamentos, mas a percorrer o vosso caminho com o coração, antes, com os passos concretos da nossa vida diária. Ajudai-nos para que sigamos com todo o nosso ser o caminho da cruz, e permaneçamos no vosso caminho para sempre. Livrai-nos do medo da cruz, do medo perante a troça alheia, do medo de poder fugir-nos a nossa vida se não agarrarmos tudo o que ela nos oferece. Ajudai-nos a desmascarar as tentações que prometem vida, mas cujas ofertas no fim nos deixam apenas vazios e desiludidos. Ajudai-nos a não querer apoderarmo-nos da vida, mas a dá-la. Ajudai- nos, acompanhando-Vos pelo percurso do grão de trigo, a encontrar, no «perder a vida», o caminho do amor, o caminho que verdadeiramente nos dá a vida, e vida em abundância (Jo 10, 10)
PRIMEIRA ESTAÇÃO
JESUS É CONDENADO À MORTE
V/. Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 22-23.26
Retorquiu-lhes Pilatos: "E que hei-de fazer de Jesus que é chamado Messias" Replicaram todos: "Seja crucificado!" Pilatos insistiu: "Então, que mal fez Ele" Mas eles gritavam mais ainda: "Seja crucificado!" (...) Soltou-lhes então Barrabás. E a Jesus, depois de O ter mandado açoitar, entregou-O para ser crucificado.
MEDITAÇÃO
“O Juiz do mundo, que um dia voltará para nos julgar a todos, está ali, aniquilado, insultado e inerme diante do juiz terreno. Pilatos não é um monstro de malvadez. Sabe que este condenado é inocente; procura um modo de O libertar. Mas o seu coração está dividido. E, no fim, faz prevalecer a sua posição, a si mesmo, sobre o direito. Também os homens que gritam e pedem a morte de Jesus não são monstros de malvadez. Muitos deles, no dia de Pentecostes, sentir-se-ão «emocionados até ao fundo do coração» (At 2, 37), quando Pedro lhes disser: A «Jesus de Nazaré, Homem acreditado por Deus junto de vós, (...), matastes, cravando-O na cruz pela mão de gente perversa» (At 2, 22.23). Mas naquele momento sofrem a influência da multidão. Gritam porque os outros gritam e” (da mesma forma) “como gritam os outros. E, assim, a justiça é espezinhada pela covardia, pela pusilanimidade, pelo medo” (arrogante) “da mentalidade predominante. A voz sutil da consciência fica sufocada pelos gritos da multidão. A indecisão, o respeito humano dão força ao mal”. Apesar de saber da inocência de Jesus, Pilatos preferiu não perder as benesses do poder, e o povo, guiado por líderes marcados pelas paixões do mundo, colou-se contra o inocente. Um povo guiado por líderes que já não se prendem mais à verdade, à fé e à vida conforme os Mandamentos do Senhor, facilmente voltar-se-á contra o próprio Deus Salvador e mergulhará na morte.
ORAÇÃO
“Senhor, fostes condenado à morte porque o medo do olhar alheio sufocou a voz da consciência. E, assim, acontece que, sempre ao longo de toda a história, inocentes sejam maltratados, condenados e mortos. Quantas vezes também nós preferimos o sucesso à verdade, a nossa reputação à justiça. Dai força, na nossa vida, à voz sutil da consciência, à vossa voz. Olhai-me como olhastes para Pedro depois de Vos ter negado. Fazei com que o vosso olhar penetre nas nossas almas e indique a direção à nossa vida. Àqueles que na Sexta- feira Santa gritaram contra Vós, no dia de Pentecostes destes a contrição do coração e a conversão. E assim destes esperança a todos nós. Não cesseis de dar também a nós a graça da conversão”. Dai-nos a graça de nos voltarmos totalmente para Vós.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
A morrer crucificado, / teu Jesus é condenado /: por teus crimes, pecador.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
SEGUNDA ESTAÇÃO
JESUS É CARREGADO COM A CRUZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 27-31
Então, os soldados do governador levaram Jesus consigo para o Pretório e reuniram junto d'Ele toda a companhia. Depois de O terem despido, envolveram-n'O em um manto encarnado. Teceram uma coroa de espinhos, que Lhe puseram na cabeça, e, na mão direita, colocaram- Lhe uma cana. Ajoelharam-se diante d'Ele e escarneceram-n'O dizendo: "Salve, ó rei dos Judeus!" Depois, cuspiram n'Ele e pegaram na cana e puseram-se a bater-Lhe com ela na cabeça. No fim de O terem escarnecido, despiram-Lhe o manto, vestiram-Lhe as suas roupas e levaram- n'O para O crucificarem.
MEDITAÇÃO
“Jesus, condenado como pretenso rei, é escarnecido, mas precisamente na troça aparece cruelmente a verdade. Quantas vezes as insígnias do poder trazidas pelos poderosos deste mundo são um insulto à verdade, à justiça e à dignidade do homem! Quantas vezes os seus rituais e as suas grandes palavras, verdadeiramente, não passam de pomposas mentiras, uma caricatura do dever que lhes incumbe por força do seu cargo, ou seja, colocar-se ao serviço do bem. Por isso mesmo, Jesus, Aquele que é escarnecido e que traz a coroa do sofrimento, é o verdadeiro rei. O seu cetro é justiça (cf. Sl 45/44, 7). O preço da justiça é sofrimento neste mundo: Ele, o verdadeiro rei, não reina por meio da violência, mas através do amor com que sofre por nós e conosco. Ele carrega a cruz, a nossa cruz, o peso de sermos homens, o peso do mundo. É assim que Ele nos precede e mostra como encontrar o caminho para a vida verdadeira”. Ele nos ensina que somente mudando de mentalidade, renunciando o que nos pesa na consciência e às coisas que dele nos afastam, poderemos viver a verdade com fé, justiça e amor.
ORAÇÃO
Senhor, deixastes que Vos escarnecessem e ultrajassem. Ajudai-nos a não fazer coro com aqueles que escarnecem quem sofre e quem é frágil. Ajudai-nos a reconhecer o vosso rosto em quem é humilhado e marginalizado. Ajudai- nos a não desanimar perante as zombarias do mundo quando a obediência à vossa vontade é metida a ridículo. Carregastes a cruz e convidastes-nos a seguir-Vos por este caminho (Mt 10, 38). Ajudai-nos a aceitar a cruz, a não fugir dela, a não lamentarmo-nos nem deixar que os nossos corações se abatam com as provas da vida. Ajudai-nos a percorrer o caminho do amor e, obedecendo às suas exigências, a alcançar a verdadeira alegria.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Com a cruz é carregado / e do peso acabrunhado, /: vai morrer por teu amor.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
TERCEIRA ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA PRIMEIRA VEZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do livro do profeta Isaías 53, 4-6
Eram os nossos males que Ele suportava, e as nossas dores que tinha sobre Si. Mas nós víamos n’Ele um homem castigado, ferido por Deus e sujeito à humilhação. Ele foi trespassado por causa das nossas culpas, e esmagado devido às nossas faltas. O castigo que nos salva, caiu sobre Ele, e por causa das suas chagas é que fomos curados. Todos nós, como ovelhas, andávamos errantes, seguindo cada qual o seu caminho. E o Senhor fez cair sobre Ele as faltas de todos nós.
MEDITAÇÃO
“O homem caiu e continua a cair: quantas vezes ele se torna a caricatura de si mesmo, já não é a imagem de Deus, mas algo que mete a ridículo o Criador. Aquele que, ao descer de Jerusalém para Jericó, embateu nos ladrões que o despojaram deixando-o meio morto, sangrando na beira da estrada, não é porventura a imagem por excelência do homem? A queda de Jesus sob a cruz não é apenas a queda do homem Jesus já extenuado pela flagelação. Aqui aparece algo de mais profundo, como diz Paulo na carta aos Filipenses: «Ele que era de condição divina não reivindicou o direito de ser equiparado a Deus. Mas despojou-Se a Si mesmo tomando a condição de servo, tornando-Se semelhante aos homens (...) humilhou-Se a Si mesmo, feito obediente até à morte e morte de cruz» (Fil 2, 6-8). Na queda de Jesus sob o peso da cruz, é visível todo este seu itinerário: a sua voluntária humilhação para nos levantar do nosso orgulho. E ao mesmo tempo aparece a natureza do nosso orgulho: a soberba pela qual desejamos emancipar-nos de Deus sendo apenas nós mesmos, pela qual cremos que não temos necessidade do amor eterno, mas queremos organizar a nossa vida sozinhos. Nesta revolta contra a verdade, nesta tentativa de nos tornarmos deuses, de sermos criadores e juízes de nós mesmos, caímos e acabamos por autodestruir-nos. A humilhação de Jesus é a superação da nossa soberba: com a sua humilhação, Ele faz-nos levantar. Deixemos que (Ele) nos levante. Despojemos-nos da nossa auto- suficiência, da nossa errada cisma de autonomia e aprendamos o contrário d’Ele, d’Aquele que Se humilhou, ou seja, aprendamos a encontrar a nossa verdadeira grandeza, humilhando-nos e voltando-nos para Deus e para os irmãos espezinhados”. Somente assim, poderemos ser verdadeiramente humanos com os demais humanos, compreensivos e agentes da libertação e da salvação daqueles que mais necessitam de nós.
ORAÇÃO
Senhor Jesus, o peso da cruz fez-Vos cair por terra. O peso do nosso pecado, o peso danossa soberba deita-Vos ao chão. Mas, a vossa queda não é sinal de um destino adverso, nem é a pura e simples fraqueza de quem é espezinhado. Quisestes vir até junto de nós que, pela nossa soberba, jazemos por terra. A soberba de pensar que somos capazes de produzir o homem fez com que os homens se tenham tornado um espécie de mercadoria para compra e vende, como que uma reserva de material para as nossas experiências, pelas quais esperamos de, por nós mesmos, superar a morte, quando, na verdade, conseguimos apenas humilhar cada vez mais profundamente a dignidade do homem. Senhor, vinde em nossa ajuda, porque caímos. Ajudai-nos a abandonar a nossa soberba devastadora e, aprendendo da vossa humildade, a pormo-nos novamente de pé.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Pela cruz tão oprimido, / cai Jesus desfalecido /: pela tua salvação.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
QUARTA ESTAÇÃO
JESUS ENCONTRA SUA MÃE
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Lucas 2, 34-35.51
Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: "Ele foi estabelecido para a queda e o ressurgir de muitos em Israel, e para ser sinal de contradição; e uma espada Te há-de traspassar a alma. Assim se deverão revelar os intentos de muitos corações" (...) Sua mãe guardava no coração todas estas recordações.
MEDITAÇÃO
“Na Via-Sacra de Jesus, aparece também Maria, sua Mãe. Durante a sua vida pública, teve de ficar de lado para dar lugar ao nascimento da nova família de Jesus, a família dos seus discípulos. Teve também de ouvir estas palavras: «Quem é a minha Mãe e quem são os meus irmãos? (...) Todo aquele que fizer a vontade de meu Pai que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe» (Mt 12, 48.50). Pode-se agora constatar que Ela é a Mãe de Jesus não só no corpo, mas também no coração. Ainda antes de O ter concebido no corpo, pela sua obediência concebera-O no coração. Fora-Lhe dito: «Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho (...) Será grande (...) O Senhor Deus dar-Lhe-á o trono de seu pai David» (Lc 1, 31-32). Mas algum tempo depois ouvira da boca do velho Simeão uma palavra diferente: «Uma espada Te há-de trespassar a alma» (Lc 2, 35). Deste modo ter-Se-á lembrado de certas palavras pronunciadas pelos profetas, tais como: «Foi maltratado e resignou-se, não abriu a boca, como cordeiro levado ao matadouro» (Is 53, 7). Agora tudo isto se torna realidade. No coração, tinha sempre conservado as palavras que o anjo Lhe dissera quando tudo começou: «Não tenhas receio, Maria» (Lc 1, 30). Os discípulos fugiram; Ela não foge. Ela está ali, com a coragem de mãe, com a fidelidade de mãe, com a bondade de mãe, e com a sua fé, que resiste na escuridão: «Feliz daquela que acreditou» (Lc 1, 45). «Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará fé sobre a terra?» (Lc 18, 8). Sim, agora Ele sabe-o: encontrará fé. E esta é, naquela hora, a sua grande consolação”. Maria, a Mulher que acreditou, é modelo de fé para todas as mães sofredoras no exercício da vida cristã dos seus filhos. Que batalhas terríveis elas não enfrentam hoje diante de um mundo pagão, para formação cristã dos seus filhos! Enquanto lutam para salvá-los, o mundo tenta destruí-los pelos vícios, pelas mentiras, ambições e ilusões satânicas. Mães de fé sofrem até mesmo nos seus ambientes de vida religiosa, pois mesmo alí encontram influências anticristãs para seus filhos. Olhando para a Virgem Maria, elas encontrarão força e sentido para continuarem firmes e formarem o grande exércitos daqueles que vão ser enocntrados ainda na FÉ.
ORAÇÃO
Santa Maria, Mãe do Senhor, permanecestes fiel quando os discípulos fugiram. Tal como acreditastes quando o anjo Vos anunciou o que era incrível – que haverias de ser Mãe do Altíssimo – assim também acreditastes na hora da sua maior humilhação. E foi assim que, na hora da cruz, na hora da noite mais escura do mundo, Vos tornastes Mãe dos crentes, Mãe da Igreja. Nós Vos pedimos: ensinai-nos a acreditar e ajudai-nos para que a fé se torne coragem de servir e gesto de um amor que socorre e sabe partilhar o sofrimento.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
De Maria lacrimosa, / sua Mãe tão dolorosa, /: vê a imensa compaixão.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
QUINTA ESTAÇÃO
JESUS É AJUDADO A LEVAR A CRUZ PELO CIRENEU
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 32; 16, 24
Ao saírem, encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e requisitaram-no, para levar a cruz de Jesus. Jesus disse aos seus discípulos: "Se alguém quiser seguir-Me, renegue-se a si mesmo, pegue na sua cruz e siga-Me".
MEDITAÇÃO
“Simão de Cirene regressa do trabalho, vai a caminho de casa quando se cruza com aquele triste cortejo de condenados – para ele talvez fosse um espectáculo habitual. Os soldados valem-se do seu direito de coação e colocam a cruz às costas dele, robusto homem do campo. Que aborrecimento não deverá ter sentido ao ver-se inesperadamente envolvido no destino daqueles condenados! Faz o que deve fazer, mas certamente com grande relutância. E todavia o evangelista Marcos nomeia, juntamente com ele, também os seus filhos, que evidentemente eram conhecidos como cristãos, como membros daquela comunidade (Mc 15, 21). Do encontro involuntário, brotou a fé. Acompanhando Jesus e compartilhando o peso da cruz, o Cireneu compreendeu que era uma graça poder caminhar juntamente com este Crucificado e assisti-Lo. O mistério de Jesus que sofre calado tocou-lhe o coração. Jesus, cujo amor divino era o único que podia, e pode, redimir a humanidade inteira, quer que compartilhemos a sua cruz para completar o que ainda falta aos seus sofrimentos (Col 1, 24). Sempre que, bondosamente, vamos ao encontro de alguém que sofre, alguém que é perseguido e inerme, partilhando o seu sofrimento ajudamos a levar a própria cruz de Jesus. E assim obtemos salvação, e nós mesmos podemos contribuir para a salvação do mundo”. Na caminhada da vida, uns ajudam outros e, assim, todos chegaremos ao objetivo maior, apesar do sofrimento. De onde vem a força? Vem do Senhor, da prática da verdade, de corações sem fingimento que não se comprazem com os pecados do mundo, mas com o bem maior dos outros segundo a vontade de Deus. Ajudamos alguém quando o acolhemos, escutamos, ensinamos, curamos e enviamos à mesma prática do bem recebido. Nosso mundo necessita, urgentimente, de homens e mulheres capazes de conhecer o máximo que puderem a Deus, odiar o pecado seja ele qual for e fazer o bem abosolutamente.
ORAÇÃO
Senhor, abristes a Simão de Cirene os olhos e o coração, dando-lhe, na partilha da cruz, a graça da fé. Ajudai-nos a assistir o nosso próximo que sofre, ainda que este chamamento resultasse em contradição com os nossos projectos e as nossas simpatias. Concedei-nos reconhecer que é uma graça poder partilhar a cruz dos outros e experimentar que dessa forma estamos a caminhar convosco. Fazei-nos reconhecer com alegria que é precisamente pela partilha do vosso sofrimento e dos sofrimentos deste mundo que nos tornamos ministros da salvação, podendo assim ajudar a construir o vosso corpo, a Igreja.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Em extreme desmaiado, / deve auxílio tão cansado /: receber do Cirineu.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
SEXTA ESTAÇÃO
A VERÓNICA LIMPA O ROSTO DE JESUS
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do livro do profeta Isaías 53, 2-3
O meu Servo cresceu (...) sem distinção nem beleza que atraia o nosso olhar, nem aspecto agradável que possa cativar-nos. Desprezado e repelido pelos homens, homem de dores, afeito ao sofrimento, é como aquele a quem se volta a cara, pessoa desprezível, da qual se não faz caso.
Do livro dos Salmos 27/26, 8-9
Segredou-me o coração: "Procura a sua face!" É, Senhor, o vosso rosto que eu persigo. Não escondais de mim o vosso rosto, nem rejeiteis com ira o vosso servo. Vós sois a minha ajuda, o Deus da minha salvação.
MEDITAÇÃO
“«É, Senhor, o vosso rosto que eu persigo. Não escondais de mim o vosso rosto» (Sal 27/26, 8). Verónica – Berenice, segundo a tradição grega – encarna este anseio que irmana todos os homens piedosos do Antigo Testamento, o anseio que provam todos os homens crentes de verem o rosto de Deus. Em todo o caso, na Via-Sacra de Jesus, inicialmente ela limitara-se a prestar um serviço de gentileza feminina: oferecer um lenço a Jesus. Não se deixa contagiar pela brutalidade dos soldados, nem imobilizar-se pelo medo dos discípulos. É a imagem da mulher bondosa que, perante o turbamento e escuridão dos corações, mantém a coragem da bondade, não permite ao seu coração de entenebrecer-se: «Bem- aventurados os puros de coração, porque verão a Deus» – dissera o Senhor no Discurso da Montanha (Mt 5, 8). Ao princípio, Verónica via apenas um rosto maltratado e marcado pela dor. Mas, o ato de amor imprime no seu coração a verdadeira imagem de Jesus: no Rosto humano, coberto de sangue e de feridas, ela vê o Rosto de Deus e da sua bondade que nos acompanha mesmo na dor mais profunda. Somente com o coração podemos ver Jesus. Apenas o amor nos torna capazes de ver e nos torna puros. Só o amor nos faz reconhecer Deus, que é o próprio amor”. Tantos rostos ensanguentados na história e atualmente pela brutalidade daqueles que se dizem agir em nome da verdade, mas perseguindo justamente quem vive segundo a verdade. Quantos cristãos estão sendo brutalmente eliminados da face da terra somente pelo fato de professarem sua fé em Jesus Cristo, a Verdade personificada. Quantos rostos ensanguentados, meu Deus! Tudo isso só tem uma resposta: o mundo dos homens sem Deus continua odiando Aquele que somente amou naqules também homens que continuam sendo a expressão viva do eterno amor de Deus.
ORAÇÃO
Senhor, dai-nos a inquietação do coração que procura o vosso rosto. Protegei-nos do obscurecimento do coração que vê apenas a superfície das coisas. Concedei-nos aquela generosidade e pureza de coração que nos tornam capazes de ver a vossa presença no mundo. Quando não formos capazes de realizar grandes coisas, dai-nos a coragem de uma bondade humilde. Imprimi o vosso rosto nos nossos corações, para Vos podermos encontrar e mostrar ao mundo a vossa imagem.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
O seu rosto ensanguentado, / por Verônica enxugado, /: eis, no pano apareceu.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
SÉTIMA ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA SEGUNDA VEZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do livro das Lamentações 3, 1-2.9.16
Eu sou o homem que conheceu a miséria sob a vara do seu furor. Ele me guiou e me fez andar nas trevas e não na luz. (...) Embarrou meus caminhos com blocos de pedra, obstruiu minhas veredas. (...) Ele quebrou meus dentes com cascalho, mergulhou-me na cinza.
MEDITAÇÃO
“A tradição da tríplice queda de Jesus sob o peso da cruz recorda a queda de Adão – o ser humano caído que somos nós – e o mistério da associação de Jesus à nossa queda. Na história, a queda do homem assume sempre novas formas. Na sua primeira carta, S. João fala duma tríplice queda do homem: a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Assim interpreta ele a queda do homem e da humanidade, no horizonte dos vícios do seu tempo com todos os seus excessos e depravações. Mas, olhando a história mais recente, podemos também pensar como a cristandade, cansada da fé, abandonou o Senhor: as grandes ideologias, com a banalização do homem que já não crê em nada e se deixa simplesmente ir à deriva, construíram um novo paganismo, um paganismo pior que o antigo, o qual, desejoso de marginalizar definitivamente Deus, acabou por perder o homem. Eis o homem que jaz no pó. O Senhor carrega este peso e cai... cai, para poder chegar até nós; Ele olha-nos para que em nós volte a palpitar o coração; cai para nos levantr”. Cai, porque dentro de sua Igreja, Corpo do Qual Ele é a Cabeça, sabe do afastamento de muitos dos seus membros, sabe da mistura nefasta entre Seus ensinamentos e os ensinamentos de homens e mulheres sem fé na formação doentia dos que deveriam ser seus discípulos. Cai, porque está vendo que Sua Pessoa já não significa muito para muitos dos “seus”, servindo apenas como referência enganadora. Cai, porque assim mais próximo a nós, garente-nos a possibilitada do erguimento.
ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, carregastes o nosso peso e continuais a carregar-nos. É o nosso peso que Vos faz cair. Mas sois Vós a levantar-nos, porque, sozinhos, não conseguimos levantar- nos do pó. Livrai-nos do poder da concupiscência. Em vez do coração de pedra, dai-nos novamente um coração de carne, um coração capaz de ver. Destruí o poder das ideologias, para os homens poderem reconhecer que estão permeadas de mentiras. Não permitais que o muro do materialismo se torne intransponível. Fazei que Vos ouçamos de novo. Tornai-nos sóbrios e vigilantes para podermos resistir às forças do mal, e ajudai-nos a reconhecer as necessidades interiores e exteriores dos outros, e a socorrê-las. Erguei- nos, para podermos levantar os outros. Concedei-nos esperança no meio de toda esta escuridão, para podermos ser portadores de esperança no mundo.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Outra vez desfalecido, / pelas dores abatido, /: cai por terra o Salvador.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
OITAVA ESTAÇÃO
JESUS ENCONTRA AS MULHERES DE JERUSALÉM QUE CHORAM POR ELE
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Lucas 23, 28-31
Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes: "Mulheres de Jerusalém, não choreis por Mim; chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos. Pois dias virão em que se dirá: "Felizes as estéreis, as entranhas que não tiveram filhos e os peitos que não amamentaram". Nessa altura, começarão a dizer aos montes: "Caí sobre nós", e às colinas: "Encobri-nos". Porque se fazem assim no madeiro verde, que será no madeiro seco?"
MEDITAÇÃO
“As palavras com que Jesus adverte as mulheres de Jerusalém que O seguem e choram por Ele, fazem-nos refletir. Como entendê-las? Não se trata porventura de uma advertência contra uma piedade puramente sentimental, que não se torna conversão e fé vivida? De nada serve lamentar, por palavras e sentimentalmente, os sofrimentos deste mundo, se a nossa vida continua sempre igual. Por isso, o Senhor nos adverte do perigo em que nós próprios nos encontramos. Mostra-nos a seriedade do pecado e a seriedade do juízo. Apesar de todas as nossas palavras de horror à vista do mal e dos sofrimentos dos inocentes, não somos nós porventura demasiado inclinados a banalizar o mistério do mal? Da imagem de Deus e de Jesus, no fim de contas, admitimos apenas o aspecto terno e amável, enquanto tranquilamente cancelámos o aspecto do juízo? Como poderia Deus fazer-Se um drama com a nossa fragilidade – pensamos cá conosco –, não passamos de simples homens?! Mas, fixando os sofrimentos do Filho, vemos toda a seriedade do pecado, vemos como tem de ser expiado até ao fim para poder ser superado. Não se pode continuar a banalizar o mal, quando vemos a imagem do Senhor que sofre. Também a nós, diz Ele: Não choreis por Mim, chorai por vós próprios... porque se tratam assim o madeiro verde, que será do madeiro seco?” Não podemos sair por aí na defesa de grupos, ONGs e movimentos quando se está em jogo a miséria do pecado. Não podemos defender o que nos mata. O pecado torna assassino todos os que o abraçam. A eleminação do pecado deve fazer parte constante de nossas vidas, pois foi justamente ele quem levou nosso Salvador à cruz e nela crucificado como um maldito. Defendemos vidas, pessoas, lutando para que elas se convertam e vivam, pois para a salvação é que existimos. Então, choremos pelos que não têm coragem de mudar de vida, pelos que estão enfrentando rejeição por sua fé e por aqueles que estão jogando fora seu único instante de vida nova.
ORAÇÃO
Senhor, às mulheres que choravam, falastes de penitência, do dia do Juízo, quando nos encontrarmos diante da vossa face, a face do Juiz do mundo. Chamais-nos a sair da banalização do mal que nos deixa tranquilos para podermos continuar a nossa vida de sempre. Mostrai-nos a seriedade da nossa responsabilidade, o perigo de sermos encontrados, no Juízo, culpados e estéreis. Fazei com que não nos limitemos a caminhar ao vosso lado, oferecendo apenas palavras de compaixão. Convertei-nos e dai-nos uma vida nova; não permitais que acabemos por ficar como um madeiro seco, mas fazei que nos tornemos ramos vivos em Vós, a videira verdadeira, e produzamos fruto para a vida eterna (cf. Jo 15, 1-10).
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Das mulheres piedosas, / de Sião filhas chorosas, /: é Jesus consolador.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
NONA ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA TERCEIRA VEZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do livro das Lamentações 3, 27-32
É bom para o homem suportar o jugo desde a sua juventude. Que esteja solitário e silencioso, quando o Senhor o impuser sobre ele; que ponha sua boca no pó: talvez haja esperança! Que dê sua face a quem o fere e se sacie de opróbrios. Pois o Senhor não rejeita para sempre: se Ele aflige, Ele se compadece segundo a sua grande bondade.
MEDITAÇÃO
“E que dizer da terceira queda de Jesus sob o peso da cruz? Pode talvez fazer-nos pensar na queda do homem em geral, no afastamento de muitos de Cristo, caminhando à deriva para um secularismo sem Deus. Mas não deveríamos pensar também em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja? Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento da sua presença, frequentemente como está vazio e ruim o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem nos darmos conta sequer d’Ele! Quantas vezes se contorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta auto-suficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua paixão. A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir- Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)”. Quantas liturgias profanas dentro da Igreja! Quanto desprezo pela conversão! As coisas de Deus estão sendo pisoteadas, falseadas e ensinadas segundo as ideologias hodiernas. Extremos empobrecem a doutrina, os sacramentos e a moral da Igreja de Cristo, que sofre justamente porque os membros do Seu corpo não fixamos nossos olhos Nele, inclinando-nos ou para a direita ou para a esquerda. Só Cristo é a razão absoluta de nossa existência.
ORAÇÃO
Senhor, muitas vezes a vossa Igreja parece-nos uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados. E mesmo no vosso campo de trigo, vemos mais cizânia que trigo. O vestido e o rosto tão sujos da vossa Igreja horrorizam-nos. Mas somos nós mesmos que os sujamos! Somos nós mesmos que Vos traímos sempre, depois de todas as nossas grandes palavras, os nossos grandes gestos. Tende piedade da vossa Igreja: também dentro dela, Adão continua a cair. Com a nossa queda, deitamo-Vos ao chão, e Satanás a rir-se porque espera que não mais conseguireis levantar-Vos daquela queda; espera que Vós, tendo sido arrastado na queda da vossa Igreja, ficareis por terra derrotado. Mas, Vós erguer-Vos-eis. Vós levantastes-Vos, ressuscitastes e podeis levantar-nos também a nós. Salvai e santificai a vossa Igreja. Salvai e santificai a todos nós.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Cai, terceira vez, prostrado / pelo peso redobrado /: dos pecados e da cruz.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
DÉCIMA ESTAÇÃO
JESUS É DESPOJADO DAS SUAS VESTES
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 33-36
Chegados a um lugar chamado Gólgota, quer dizer «Lugar do Crânio», deram-Lhe a beber vinho misturado com fel. Mas Jesus, quando o provou, não quis beber. Depois de O terem crucificado, repartiram entre si as suas vestes, tirando-as à sorte, e ficaram ali sentados a guardá-Lo.
MEDITAÇÃO
“Jesus é despojado das suas vestes. A roupa confere ao homem a sua posição social; dá-lhe o seu lugar na sociedade, fá-lo sentir alguém. Ser despojado em público significa que Jesus já não é ninguém, nada mais é que um marginalizado, desprezado por todos. O momento do despojamento recorda-nos também a expulsão do paraíso: ficou sem o esplendor de Deus o homem, que agora está, ali, nu e exposto, desnudado e envergonha-se. Deste modo, Jesus assume mais uma vez a situação do homem caído. Jesus despojado recorda-nos o facto de que todos nós perdemos a «primeira veste», isto é, o esplendor de Deus. Junto da cruz, os soldados lançam sortes para repartirem entre si os seus míseros haveres, as suas vestes. Os evangelistas narram isto com palavras tiradas do Salmo 22, 19 e assim afirmam-nos o mesmo que Jesus há-de dizer aos discípulos de Emaús: tudo aconteceu «conforme as Escrituras». Não se trata aqui de pura coincidência, tudo o que acontece está contido na Palavra de Deus e assente no seu desígnio divino. O Senhor experimenta todos os estádios e degraus da perdição dos homens, e cada um destes degraus é, com toda a sua amargura, um passo da redenção: é precisamente assim que Ele traz de volta para casa a ovelha perdida. Recordemos ainda que, segundo diz S. João, o objecto do sorteio era a túnica de Jesus, a qual, «toda tecida de alto a baixo, não tinha costura» (Jo 19, 23). Podemos considerar isto como uma alusão à veste do sumo sacerdote, que era «tecida como um todo», sem costura (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, III, 161). Ele, o Crucificado, é realmente o verdadeiro sumo sacerdote”. Sendo Jesus a Verdade, percebemos que, na era das chamadas “fake new”, nada mais está sendo ridicularizada do que a verdade, profligada como um resto, um bagaço, e, com ela, a fé e a moral cristã. Colocaram-nas no patíbulo da impunidade, no palco dos sem juízo, no ringue dos depravados. Mas há uma esperança, pois a verdade escapele a tudo e em tudo age para transformar.
ORAÇÃO
Senhor Jesus, fostes despojado das vossas vestes, exposto à desonra, expulso da sociedade. Assumistes sobre Vós a desonra de Adão, sanando-a. Assumistes os sofrimentos e as necessidades dos pobres, daqueles que são expulsos do mundo. Deste modo é que realizais a palavra dos profetas. É precisamente assim que dais significado àquilo que não tem significado. Assim mesmo nos dais a conhecer que nas mãos do vosso Pai estais Vós, nós e o mundo. Concedei-nos um respeito profundo pelo homem em todas as fases da sua existência e em todas as situações onde o encontrarmos. Dai-nos a veste luminosa da vossa graça.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
De suas vestes despojado, / por verdugos maltrado, /: eu vos vejo, meu Jesus.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
JESUS É PREGADO NA CRUZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 37-42
Puseram por cima da cabeça d'Ele um letreiro escrito com a causa da condenação: "Este é Jesus, o Rei dos Judeus". Foram então crucificados com Ele dois salteadores, um à direita e outro à esquerda. Os que passavam dirigiam-Lhe insultos, abanavam a cabeça e diziam: "Tu que demolias o Templo e o reedificavas em três dias, salva-Te a Ti mesmo, se és Filho de Deus, e desce da cruz!" De igual modo, também os sumos sacerdotes troçavam, juntamente com os escribas e os anciãos, e diziam: "Salvou os outros e a Si mesmo não pode salvar-Se! É Rei de Israel! Desça agora da cruz, e acreditaremos n'Ele".
MEDITAÇÃO
“Jesus é pregado na cruz. O sudário de Turim permite formar uma ideia da crueldade incrível deste processo. Jesus não toma a bebida anestesiante que Lhe fora oferecida: conscientemente assume todo o sofrimento da crucifixão. Todo o seu corpo é martirizado; cumpriram-se as palavras do Salmo: «Eu, porém, sou um verme e não um homem, o opróbrio dos homens e a abjecção da plebe» (Sal 22/21, 7). «Como um homem (...) diante do qual se tapa o rosto, menosprezado e desestimado. Na verdade, Ele tomou sobre Si as nossas doenças, carregou as nossas dores» (Is 53, 3-4). Detenhamo-nos diante desta imagem de sofrimento, diante do Filho de Deus sofredor. Olhemos para Ele nos momentos de presunção e de prazer, para aprendermos a respeitar os limites e a ver a superficialidade de todos os bens puramente materiais. Olhemos para Ele nos momentos de calamidade e de angústia, para reconhecermos que precisamente assim estamos perto de Deus. Procuremos reconhecer o seu rosto naqueles que tendemos a desprezar. Diante do Senhor condenado, que não quer usar o seu poder para descer da cruz, mas antes suportou os sofrimentos da cruz até ao fim, pode assomar ainda outro pensamento. Inácio de Antioquia, ele mesmo preso com cadeias pela sua fé no Senhor, elogiou os cristãos de Esmirna pela sua fé inabalável: afirma que estavam, por assim dizer, pregados com a carne e o sangue à cruz do Senhor Jesus Cristo (1, 1). Deixemo-nos pregar a Ele, sem ceder a qualquer tentação de nos separarmos nem ceder às zombarias que pretendem levar- nos a fazê-lo”. No auge do nosso sofrimento, olhemos para Jesus crucificado da mesma forma que aquele ladrão arrependido, o qual se vendo na mesma miséria de Jesus, pode perceber que estava sendo visitado no mais baixo extrato de sua existência; alguém foi ao seu encontro aonde ninguém desse mundo poderia chegar; aquele ao seu lado, humilhado por ser a bondade, foi lhe dizer que o amava e por isso sofria aqueles horrores. Como Jesus, não temamos ir ao encontro dos mais rejeitados para lhes oferecer a graça de uma vida nova no Reino de Deus.
ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, fizestes-Vos pregar na cruz, aceitando a crueldade terrível deste tormento, a destruição do vosso corpo e da vossa dignidade. Fizestes-Vos pregar, sofrestes sem evasões nem descontos. Ajudai-nos a não fugir perante o que somos chamados a realizar. Ajudai-nos a fazermo-nos ligar estreitamente a Vós. Ajudai-nos a desmascarar a falsa liberdade que nos quer afastar de Vós. Ajudai-nos a aceitar a vossa liberdade «ligada» e a encontrar nesta estreita ligação convosco a verdadeira liberdade.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Sois por mim à cruz pregado, / insultado, blasfemado, /: com cegueira e com furor.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO
JESUS MORRE NA CRUZ
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 45- 50.54
A partir do meio-dia, houve trevas em toda a região, até às três horas da tarde. E, pelas três horas da tarde, Jesus bradou com voz forte: "Eli, Eli, lemá sabachthani", quer dizer, "Meu Deus, Meu Deus, porque Me abandonaste?" Alguns dos presentes ouviram e disseram: «Está a chamar por Elias». E logo um deles correu a pegar numa esponja, ensopou-a em vinagre, pô-la numa cana e deu-Lhe a beber. Mas os outros disseram: «Deixa lá! Vejamos se Elias vem salvá-Lo». E Jesus, dando novamente um forte brado, expirou. Entretanto, o centurião e os que estavam com ele de guarda a Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a suceder, ficaram aterrados e disseram: «Ele era, na verdade, Filho de Deus».
MEDITAÇÃO
“No cimo da cruz de Jesus – nas duas línguas do mundo de então, o grego e o latim, e na língua do povo eleito, o hebraico – está escrito quem é: o Rei dos Judeus, o Filho prometido a David. Pilatos, o juiz injusto, tornou-se profeta sem querer. Perante a opinião pública mundial é proclamada a realeza de Jesus. O próprio Jesus não tinha aceito o título de Messias, enquanto poderia induzir a uma ideia errada, humana, de poder e de salvação. Mas, agora, o título pode estar escrito ali publicamente sobre o Crucificado. Ele, assim, é verdadeiramente o rei do mundo. Agora foi verdadeiramente «elevado». Na sua descida, Ele subiu. Agora cumpriu radicalmente o mandamento do amor, cumpriu a oferta de Si próprio, e precisamente deste modo Ele é agora a manifestação do verdadeiro Deus, daquele Deus que é amor. Agora sabemos quem é Deus. Agora sabemos como é a verdadeira realeza. Jesus reza o Salmo 22, que começa por estas palavras: «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Sal 22/21, 2). Assume em Si mesmo todo o Israel, a humanidade inteira, que sofre o drama da escuridão de Deus, e faz com que Deus Se manifeste precisamente onde parece estar definitivamente derrotado e ausente. A cruz de Cristo é um acontecimento cósmico. O mundo fica na escuridão, quando o Filho de Deus sofre a morte. A terra treme. E junto da cruz tem início a Igreja dos pagãos. O centurião romano reconhece, compreende que Jesus é o Filho de Deus. Da cruz, Ele triunfa sem cessar”. Na cruz podemos ver duas coisas: o infinito amor de Deus por nós e o terrível ódio do mundo por ele.
ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, na hora da vossa morte, o sol escureceu. Sois pregado na cruz sem cessar. Precisamente nesta hora da história, vivemos na escuridão de Deus. Pelo sofrimento sem medida e pela maldade dos homens o rosto de Deus, o vosso rosto, aparece obscurecido, irreconhecível. Mas foi precisamente na cruz que Vos fizestes reconhecer. Precisamente enquanto sois Aquele que sofre e que ama, sois aquele que é elevado. Foi precisamente lá que triunfastes. Ajudai-nos a reconhecer, nesta hora de escuridão e confusão, o vosso rosto. Ajudai-nos a crer em Vós e a seguir-Vos precisamente na hora da escuridão e da privação. Mostrai-Vos novamente ao mundo nesta hora. Fazei com que a vossa salvação se manifeste.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Por meus crimes padecestes, / meu Jesus, por mim morrestes; /: como é grande a minha dor.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
JESUS É DESCIDO DA CRUZ E ENTREGUE A SUA MÃE
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 54-55
O centurião e os que estavam com ele de guarda a Jesus, ao verem o tremor de terra e o que estava a suceder, ficaram aterrados e disseram: «Ele era, na verdade, Filho de Deus». Estavam ali, a observar de longe, muitas mulheres, que tinham seguido Jesus desde a Galileia, para O servirem.
MEDITAÇÃO
“Jesus morreu, o seu coração é trespassado pela lança do soldado romano e dele brotam sangue e água: misteriosa imagem do rio dos sacramentos, do Baptismo e da Eucaristia, dos quais, em virtude do coração trespassado do Senhor, renasce incessantemente a Igreja. E não Lhe são quebradas as pernas, como aos outros dois crucificados; deste modo Ele aparece como o verdadeiro cordeiro pascal, ao qual nenhum osso deve ser quebrado (cf. Ex 12, 46). E agora que tudo suportou, vemos que Ele, apesar de toda a confusão dos corações, apesar do poder do ódio e da cobardia, não ficou sozinho. Os fiéis existem. Junto da cruz, estavam Maria, sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, Maria de Magdala e o discípulo que Ele amava. Agora chega também um homem rico, José de Arimateia: o rico encontra modo de passar pela buraco de uma agulha, porque Deus lhe dá a graça. Sepulta Jesus no seu túmulo ainda intacto, num jardim: o cemitério onde fica sepultado Jesus transforma-se em jardim, no jardim donde fora expulso Adão quando se separara da plenitude da vida, do seu Criador. O túmulo no jardim faz-nos saber que o domínio da morte está para terminar. E chega também um membro do Sinédrio, Nicodemos, a quem Jesus tinha anunciado o mistério do renascimento pela água e pelo Espírito. Até no Sinédrio, que tinha decidido a sua morte, há alguém que acredita, que conhece e reconhece Jesus após a sua morte. Sobre a hora do grande luto, da grande escuridão e do desespero, aparece misteriosamente a luz da esperança. O Deus escondido permanece em todo o caso o Deus vivo e próximo. O Senhor morto permanece em todo o caso o Senhor e nosso Salvador, mesmo na noite da morte. A Igreja de Jesus Cristo, a sua nova família, começa a formar-se”. Diante do Crucificado, muitos encontram uma brecha de salvação. Jesus crucificado não significa um derrotado, mas aquele que foi SIM até o fim ao Pai e à Sua missão. Muitos de nós passamos por sofrimentos não porque somos condenados à derrota, mas para adquirirmos forças no combate gigante que a história nos impõe. Contemplando o Crucificado, recordamos da necessidade de renunciarmos a nós mesmos, tomarmos nossa cruz de cada dia e seguirmos Aquele que não temeu dar Sua vida pela vida de todos.
ORAÇÃO
Senhor, descestes à escuridão da morte. Mas o vosso corpo é recolhido por mãos bondosas e envolvido num cândido lençol (Mt 27, 59). A fé não está completamente morta, não se pôs totalmente o sol. Quantas vezes parece que Vós estais a dormir. Como é fácil a nós, homens, afastar-nos dizendo para nós mesmos: Deus morreu. Fazei com que, na hora da escuridão, reconheçamos que em todo o caso Vós estais lá. Não nos deixeis sozinhos quando tendemos a desanimar. Ajudai-nos a não deixar-Vos sozinho. Dai-nos uma fidelidade que resista no desânimo e um amor que Vos acolha no momento mais extremo da vossa necessidade, como a vossa Mãe, que Vos abraçou de novo no seu regaço. Ajudai-nos, ajudai os pobres e os ricos, os simples e os sábios, a ver através dos seus medos e preconceitos e a oferecer-Vos a nossa capacidade, o nosso coração, o nosso tempo, preparando assim o jardim no qual possa dar-se a ressurreição.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
Do madeiro vos tiraram / e nos braços vos deixaram /: de Maria, que aflição.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
JESUS É SEPULTADO
Nós Vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e Vos bendizemos. R/. Porque pela Vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Do evangelho segundo São Mateus 27, 59-61
José pegou no corpo de Jesus, envolveu-o num lençol limpo e depositou-o no seu túmulo novo, que tinha mandado escavar na rocha. Depois, rolou uma grande pedra para a porta do túmulo e retirou-se. Entretanto, estavam ali Maria de Magdala e a outra Maria, sentadas em frente do sepulcro.
MEDITAÇÃO
“Jesus, desonrado e ultrajado, é deposto com todas as honras num túmulo novo. Nicodemos traz uma mistura de mirra e aloés de cem libras destinada a emanar um perfume precioso. Agora na oferta do Filho revela-se, como sucedera já na unção de Betânia, um excesso que nos recorda o amor generoso de Deus, a «superabundância» do seu amor. Deus faz generosamente oferta de Si próprio. Se a medida de Deus é superabundante, também para nós nada deveria ser demasiado para Deus. Foi o que o próprio Jesus nos ensinou no discurso da Montanha (Mt 5, 20). Mas é preciso lembrar também as palavras de S. Paulo a propósito de Deus, que «por nosso meio faz sentir em todos os lugares o odor do seu conhecimento. Somos, para Deus, o bom odor de Cristo» (2 Cor 2, 14-15). Na putrefacção das ideologias, a nossa fé deveria ser de novo o perfume que reconduz às pegadas da vida. No momento da deposição, começa a realizar-se a palavra de Jesus: «Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24). Jesus é o grão de trigo que morre. Do grão de trigo morto começa a grande multiplicação do pão que dura até ao fim do mundo: Ele é o pão de vida capaz de saciar em medida superabundante a humanidade inteira e dar-lhe o alimento vital: o Verbo eterno de Deus, que Se fez carne e também pão, para nós, através da cruz e da ressurreição. Sobre a sepultura de Jesus resplandece o mistério da Eucaristia”. Contemplando a sepultura de Jesus, concluo que a vida só tem sentido se for vivida na condição de servo, livre e dedicado à salvação, sabendo como viver (amando), o que viver (a verdade) e o que escolher (a própria vida).
ORAÇÃO
Senhor Jesus Cristo, na sepultura fizestes vossa a morte do grão de trigo, tornastes-Vos o grão de trigo morto que produz fruto ao longo de todos os tempos até à eternidade. Do sepulcro brilha em cada tempo a promessa do grão de trigo, do qual provém o verdadeiro maná, o pão de vida em que Vós mesmo Vos ofereceis a nós. A Palavra eterna, através da encarnação e da morte, tornou-Se a Palavra próxima: Colocais-Vos nas nossas mãos e nos nossos corações para que a vossa Palavra cresça em nós e produza fruto. Dais-Vos a Vós próprio através da morte do grão de trigo, para que nós tenhamos a coragem de perder a nossa vida para encontrá-la; para que também nós nos fiemos da promessa do grão de trigo. Ajudai-nos a amar cada vez mais o vosso mistério eucarístico e a venerá-lo – a viver verdadeiramente de Vós, Pão do Céu. Ajudai- nos a tornarmo-nos o vosso «odor», a tornar palpáveis os vestígios da vossa vida neste mundo. Do mesmo modo que o grão de trigo se eleva da terra como caule e espiga, assim também Vós não podeis ficar no sepulcro: o sepulcro está vazio porque Ele – o Pai – não Vos «abandonou na habitação dos mortos nem permitiu que a vossa carne conhecesse a decomposição» (cf. Act 2, 31; Sal 16, 10 LXX). Não, Vós não experimentastes a corrupção. Ressuscitastes e destes espaço à carne transformada no coração de Deus. Fazei com que possamos alegrar-nos com esta esperança e possamos levá-la jubilosamente pelo mundo; fazei que nos tornemos testemunhas da vossa ressurreição.
Pai nosso… Ave-Maria… Glória…
No sepulcro vos deixaram, / enterrado vos choraram, /: magoado o coração.
Pela Virgem dolorosa, / vossa Mãe tão piedosa, /: perdoai-me, bom Jesus.
Vitória, tu reinarás, ó cruz, tu nos salvarás.
Ó Jesus, aos teus pés, peço-te a graça de me tornar um discípulo amado, na esperança de que, mediante a tua ressurreição, eu receba o dom do teu Espírito Santo, para o anúncio apaixonado do teu Evangelho pelo mundo inteiro. Amém.