Não dá para separar a biografia Santo Atanásio de sua história ligada à controvérsia ariana e da efervescência cristã de Alexandria. Até o fim de sua vida em Alexandria, não teve descanso no combate ao mal do arianismo. Ainda muito jovem, ao lado do seu mestre Alexandre, patriarca de Alexandria, não mediu esforços para se aprofundar na teologia e na fé da Igreja ensinada pelos santos Padres e poder, ir além como homem da teologia e, principalmente, do cumprimento da doutrina sobre o Filho de Deus. Para isso, sofreu um verdadeiro martírio de rejeição dentro e fora da Igreja que ele amava e pela qual gastava-se a cada dia.
A data mais provável do nascimento de Atanásio é o ano 296 (d.C.), data confirmada, de certo modo, pela idade e ano de falecimento. Em 373, quando faleceu, ele tinha 77 anos de idade. Mediante essas datas, é possível, portanto, concluir o ano de nascimento acima determinado na mesma cidade de Alexandria. Ali nasceu, cresceu, formou-se, tornou-se diácono e bispo.
Quanto à sua formação na Escola de Alexandria, aprendeu letras e teologia, realidades determinantes em sua vida literária de brilho incomparável. Cabeças dessa Escola, foram os formadores Orígenes, Dionísio, Teognosto e Alexandre, homens de grande peso na construção do pensamento argumentativo e interpretativo de Atanásio. “A sua principal fonte de inspiração era a Bíblia grega: entre os Padres gregos, inspirou-se especialmente em Inácio, Atenágoras, Ireneu, Orígenes. A sua teologia é marcadamente diferente da do seu bispo Alexandre, e menos origenista, de sorte que induz a pensar em um estudo independente”1.
Na sua formação discipular, apesar de alguns autores não apresentarem certeza sobre seu contato com Antão, mas, certamente, tendo em vista sua forte atração pela vida ascética e, ainda, ter-se dedicado em apresentar, com muita clareza, a vida do santo monge, não resta dúvida que ele teve contato duradouro com Antão e outros monges de Tebaida2. Seguiu de perto o grande amigo monge, que transparecia Cristo para seus discípulos. Atanásio o seguia de perto, admirava-o. Para ele, a vida monástica era o que mais se aproximava da vida de perfeição querida por Deus e que dava firmeza para todos. Atanásio tornou-se amigo de coração de Antão e de todos aqueles que largavam tudo para viver exclusivamente da vontade de Deus. Manteve sempre um cuidado especial pelos monges, acolheu São Pacômio e nunca os abandonou mesmo em exílio.
Ainda jovem, aos 17 anos, no ano 313 do estabelecimento do Edito de Milão, que concedia liberdade aos cristãos, recebeu do bispo Alexandre o cargo de leitor e, poucos anos depois, foi ordenado diácono em 319 pelo mesmo bispo Alexandre de Alexandria do qual se tornara também seu secretário e, em tais condições, em 325, aos 29 anos, participou do Concílio de Niceia. Ali, mesmo não sendo bispo, “desempenhou um papel de destaque”3. Num determinado momento, foi-lhe dada a palavra com o incentivo do bispo Alexandre, que confiava despreocupadamente naquilo que ele poderia afirmar. Com palavras claras, diretas e cortantes como espada de melhor qualidade, descortinou o propósito sórdido dos arianos, perguntando imediatamente, “Quem vos enganou, homens sem juízo, para que chameis criatura ao Criador”?4
Suas palavras foram acolhidas com entusiasmo pelos bispos da verdade e, por outro lado, foram causa da maior rejeição de sua vida por parte dos arianos. O ódio a Atanásio acentuou-se a partir daquela participação exemplar e precisa contra os inimigos da Igreja e da divindade de Jesus Cristo. Os arianos escolheram Atanásio como seu inimigo mais perigoso e, por isso, dedicaram-se apaixonadamente à sua inteira destruição. Os bispos de fé autêntica, por sua vez, viram em Atanásio um futuro brilhante, um homem de fé autêntica, um sinal de Deus para a Igreja. Certamente, aquele jovem diácono estava “destinado a ser o campeão da fé, …, o campeão de Cristo, o campeão da verdade”5. Cinquenta anos depois, escreve São Gregório Nazianzo sobre a participação de Atanásio no Concílio: “Em Nicéia, os arianos prestam bem atenção ao valoroso campeão da Verdade: de estatura baixa, quase frágil, mas de postura firme e de cabeça erguida. Quando se levanta, como que se sente passar uma onda de ódio através dele. A maioria da assembleia olha com orgulho para aquele que é o intérprete do seu pensamento”6.
Três anos mais tarde (328), com a morte de Alexandre, os bispos do Egito, mediante o apoio da multidão do povo de Deus, elegeram Atanásio bispo de Alexandria com a idade de 32 anos. Importante frisar aqui a participação de todo o povo na eleição de Atanásio. Os bispos estavam reunidos, e o povo também fez sua parte, cercando a igreja e gritando o nome desse campeão da fé. Tanto os bispos quanto o povo de modo geral, certamente por iluminação do Espírito Santo, não conseguiam ter em mente ninguém mais adequado e mais preparado do que ele para assumir o lugar do grande patriarca Alexandre formador do próprio Atanásio. Por unanimidade, o inimigo dos hereges foi colocado no trono episcopal do mais famoso centro da fé depois de Roma.
Bento XVI chama Santo Atanásio de “autêntico protagonista da tradição cristã” e, citando S. Gregório de Nazianzo (21,26), afirma que ele foi “a coluna da Igreja” e, ainda, “modelo de ortodoxia, tanto no Oriente com no Ocidente”. Para o santo padre, Atanásio “foi, sem dúvida, um dos Padres da Igreja antiga mais importantes e venerados”, “um grande santo”, portanto, e “o mais importante e tenaz adversário da heresia ariana”7.
Homem de posições enérgicas, Atanásio “é uma figura que se impõe; ele parece personificar a própria Igreja. Um historiador pode afirmar: até quando estiver de pé um homem como Atanásio, apesar de se desencadear contra ele todas as forças do mundo, a luta ainda não está perdida”8. Como entender um homem desse porte? Não bastam os dons naturais para explicá-lo9. Todas suas energias foram aplicadas no conhecimento de Deus enquanto Deus e no Verbo Encarnado especialmente. Atanásio é o santo da divindade e da humanidade do Verbo de Deus. A grande paixão de Atanásio é Jesus Cristo. Por Ele dedicou toda sua existência. Pelo fato de ser um homem da verdade e pela verdade, enxerga além dos demais a decadência de Ário, a fraqueza de muitos da Igreja e as grandes limitações do imperador, que facilmente cede ao arianismo.
Exílios
• 335-337 – Atanásio foi exilado em Tréveris, Alemanha. Seus inimigos realizaram um sínodo em Tiro (335), tentaram depô-lo, o que não aconteceu, mas o imperador o exilou em Tréveris. Em 337, morre o imperador Constantino, e Atanásio retorna com a permissão do novo imperador, Constantino II.
• 339 – Atanásio é novamente exilado em 22 de fevereiro de 346 no Ocidente, principalmente em Roma. Atanásio foi deposto pelo sínodo de Antioquia e, no seu lugar, colocaram como bispo um sacerdote excomungado chamado Pisto. Por causa de sua incapacidade, o partido eusebiano encarregou Gregório de Capadócia para assumir o lugar de Atanásio. Em 341, o Papa Júlio I convocou um sínodo que declarou Atanásio livre de culpas e único bispo legítimo de Alexandria pelo sínodo de Sárdica (343). Tendo morrido Gregório de Capadócia em 345, Atanásio retorna em 346. Acentuando-se os problemas contra Atanásio, o imperador Constantino convocou um sínodo em Arles (353) e outro em Milão (355), objetivando condenar Atanásio. No seu lugar, foi colocado Geórgio de Capadócia.
• 356 - 22 de fevereiro de 362 no deserto. Atanásio foge pela 3ª vez. Dessa vez, ele passa seis anos com os monges do Egito.
• Esses três primeiros exílios foram muito difíceis, mas muito fecundos na vida dele. Mesmo no deserto, não parava suas atividades. Por esse período, acontece a morte de Antão. Então, Atanásio não perde tempo e escreve a Vida de Antão, um modelo de monge. Também escreve outros textos contra os arianos. Em 362, imperador Juliano chama de volta vários bispos exilados, possibilitando a Atanásio seu retorno à Alexandria.
• 362 – novamente, em novo sínodo em Alexandria, Atanásio é desterrado até 363 ao falecer Juliano.
• 365 - 1º de fevereiro de 366. Dá-se seu quinto desterro pelo imperador Valente, que, por pressão popular, foi obrigado a derrogar tal medida e possibilitar o retorno de Atanásio.
• Em 373, Atanásio partiu para os braços do Pai as 77 anos.
• Pela sua fidelidade e profundas obras escritas para a Igreja, foi declarado doutor da Igreja.
Resumo geral
1 - É um exemplo e estímulo ao ascetismo cristão.
• Ascestismo (do grego: áskesis: prática, exercício ou treinamento, de cunho espiritual): disciplina espiritual para o autocontrole, em vista de uma vida em comunhão com Deus. Consiste no combate aos prazeres mundanos e na austeridade, tendo como base a Sagrada Escritura, os ensinamentos da Igreja e a vida dos santos.
2 - Prática do celibato voluntário
• Celibato (que não é casado): uma vida toda para Deus. Atanásio é um legítimo defensor da virgindade consagrada, uma vida inteira a serviço do Reino de Deus.
3 - Forma de vida inserida no mundo
• Mundo: lugar da missão evangelizadora, da exigência presencial dos discípulos de Jesus Cristo, como luz para iluminar os que vivem nas trevas do pecado. Na grande oração sacerdotal do cap. 17 de São João, muitas vezes aparece a palavra “mundo” como realidade criada (5.24), como lugar das criaturas (6), como realidade universal e vaga (9), lugar da presença visível de Jesus e de seus discípulos (11.13), como realidade inimiga do Filho de Deus e dos que por Ele foram conquistados (14.16). A partir do versículo 14 muda-se a sequência de ligação com o mundo. Agora, nem Jesus nem seus discípulos são do mundo porque nasceram para Deus mediante a fé e o batismo. Enquanto criaturas, pertenciam ao mundo, mas depois de batizados, pertencem totalmente a Deus, foram conquistados por Jesus, salvos por Ele. A derrota do “mundo” acarreta uma brutal e odiosa revolta contra Cristo e seus seguidores. Seria, então, o momento de afastamento do mundo? Jesus responde que seus discípulos não devem ser tirados do mundo, mas que sejam guardados do Maligno (15). Nesse caso, o mundo se transformou num campo de guerra: a luz contra as trevas. Mesmo assim, é o campo da missão evangelizadora. A ele foi enviado Jesus, que também envia os seus, santificados na verdade (18-19). O mundo não conhece a Deus (25), de modo que tal conhecimento só é possível por meio de Jesus Cristo. Quem acolheu o Filho de Deus largou o mundo e tornou-se participante da vida de Cristo. O desprezo a Cristo é continuidade no desconhecimento tenebroso do mundo com relação a Deus e dependência destruidora da pessoa humana.
4 - Testemunha dessa forma de vida
• Forma de vida: uma realidade cristã inserida no mundo para transformá-lo mediante o conhecimento de Deus e da revelação por ele manifestada.
5 - Escreveu o primeiro documento histórico sobre essa forma de vida
• A vida de Santo Antão: uma vida na catacumba, no deserto e na montanha; uma vida toda para Deus e para tornar Deus conhecido e capaz de ser amado.
6 - Atanásio tornou Antão um modelo campeão da vida do deserto
• O deserto: combate de si mesmo, das tentações e do próprio maligno; lugar transformado na presença de Deus pela atuação de Antão. É também um lugar de carências colossais: calor imenso durante o dia, frio descomunal durante à noite; ausências de pessoas, da verdura das matas, de frutas, entre outras coisas. Por outro lado, há abundância de sofrimento, lutas interiores, tentações e solidão. Há também uma grande riqueza: a possibilidade de um irretocável encontro com o Senhor e ser por ele totalmente transformado numa vida profundamente cristã.
7 - A vida de Antão revela a concepção do ideal e da vida monástica de Atanásio
• Ideal monástico na vida de Atanásio:
• Pobreza real
• Trabalho manual para o exercício da caridade
• Luta contra o demônio no deserto (combate das paixões)
• Imitação de Jesus (apaixonado pelo Pai e dedicado à salvação)
• Retorno do asceta purificado e cheio do Espírito para seus irmãos para o mundo.
8 – A teologia de Atanásio
• Não se dedicou à teologia científica.
• Sua grande novidade manifestou-se no hábil uso das formas e instrumentos do pensamento grego para comunicar e esclarecer o conteúdo da Revelação bíblica e da tradição apostólica, realidade altamente viva nela.
• Afirmação da unidade consubstancial de Deus na Trindade.
• Defensor ferrenho do homoousios e da divindade do Espírito Santo.
• Teologia soteriológica.
• Na base de todo sistema atanasiano está a ideia da redenção do homem.
• Sua cristologia é a do Logos/sarx.
• Não se dedicou à questão da alma de Jesus, mas a defendeu no Sínodo de 362.
• “A ideia fundamental de toda a luta teológica de Santo Atanásio era precisamente a de que Deus é acessível. Não é um Deus secundário, é o Deus verdadeiro, e através da nossa comunhão com Cristo podemos unir-nos realmente a Deus. Ele tornou-se realmente "Deus conosco".
SEJAMOS SERVOS, LIVRES E DEDICADOS À SALVAÇÃO