Problemática
1 – Éfeso prescindiu da distinção entre divindade e humanidade. Calcedônia completará Éfeso.
2 – Em Éfeso perdurava a ambiguidade entre hypostasis e physis. Calcedônia corrigirá essa linguagem.
3 – Calcedônia concentrará seus esforços na questão da humanidade de Jesus, ou seja: se o Verbo de Deus assumu a natureza humana, o que acontece a essa natureza, no processo de união? Mantem-se em sua realidade humana ou é absorvida pela divindade do Filho de Deus?
4 – A “Fórmula da União” acatada por João de Antioquia e Cirilo de Alexandria declarava que o Filho de Deus é “consubstancial conosco, seugundo a humanidade”. Qual o sentido disso? Em Nicéia: consubstancial ao Pai; na “Fórmula de União”, consubstancial conosco.
Êutiques, herege
1 – Sacerdote e Monge de Cosntantinopla.
2 – Heresia: admitia que Cristo provém de (ek) duas haturezas, mas sem permanecer em (en) duas naturezas após o processo de união, uma “mistura” (krasis), em que o humano foi absorvido pelo divino e, consequentemente, Cristo não é “consubstancial” conosco, na humanidade.
3 – Para ele, mantida a união, só há em Cristo uma única natureza, já que a natureza humana se diluiu na divina.
4 – Perigo: anular a mediação singular de Jesus Cristo entre Deus e a humanidade, pois sendo absorvida a humanidade, Jesus não seria mais verdadeiramente homem, e assim, anular-se-ia o mistério da encarnação e, portantanto, também não haveria salvação.
O que aconteceu como consequência?
1 – Êutiques foi condenado em Constantinopla.
2 – Para ele, sua condenação foi injusta e, de certo modo, facilitava a heresia de Nestório.
3 – Por meio de cartas, faz apelo a alguns bispos de reconhecida autoridade, inclusive algumas de suas cartas apelativas chegaram ao papa S. Leão Magno, que depois de ler as atas do processo, reconheceu o erro do monge sacerdote.
4 – Êutique concluiu que nada lhe seria favorável da parte do papa, então procurou o imperador Teodósio II do qual obteve exame de sua causa e a realização de outro concílio em Éfeso no ano de 449, sob a presidência de Dióscoro de Alexandria. Trata-se do famoso LATROCÍNIO DE ÉFESO, assim denominado pelo papa S. Leão Magno, presidido por um amigo, inimigo de Flaviano de Constantinopla, que foi deposto e preso, morrendo na prisão pouco tempo depois.
5 - S. Leão Magno enviou a Éfeso os seus legados portando duas cartas: uma para o bispo de Constantinopla, Flaviano, e outra para o “concíio”. Elas continham, muito bem refutados, os erros de Êutiques.
6 – O Papa, ao imperador Teodósio II, escrevia que a sua carta (Tomus ad Flavianum) continha “tudo o que a Igreja Católica universalmente acreditava e ensinava acerca do mistério da Encarnação do Senhor” (Epistula 29: PL 54, 783).
7 – Um sínodo marcado pela violência, sob as ordens de Dióscoro e Êutiques, com o apoio do imperador. Um chamado “concílio” que não quis a participação da Igreja como um todo. Proibiram as cartas do Papa, não deram a presidência aos Legados pontifícios e, ainda, extorquiram, com fraudes e ameaças, os sufrágios dos bispos.
São Leão Magno escreveu uma carta dogmática ao patriarca de Constantinopla, Flaviano, chamada “Tomus”.
1 – Afirma a unidade de Cristo, concordando com Cirilo: “Ele nasceu com a íntegra e perfeita natureza de verdadeiro homem e verdadeiro Deus, completo (como Deus e como homem)…”.
2 – Aproxima-se da Escola Antioquena, quando, à semelhança da “Fórmula da União”, fala de “duas naturezas”, cada uma delas com suas características. “Preservadas a propriedade de uma e a de outra, elas se unem numa só pessoa”; ambas compeltam, em comunhão mútua, o que é próprio (de cada uma).
Definição do Concílio de Calcedônia
“Seguindo, pois, os santos Padres, com unanimidade ensinamos que se confesse que um só e o mesmo Filho, o Senhor nosso Jesus Cristo, perfeito na sua divindade e perfeito na sua humanidade, verdadeiro Deus e verdadeiro homem ‘composto’ de alma racional e de corpo, consubstancial ao pai segundo a divindade e consubstancial a nós segundo a humanidade, semelhante em tudo a nós, menos no pecado (cf. Hb 4,15), gerado do Pai antes dos séculos segundo a divindade e, nestes últimos dias, em prol de nós e de nossa salvação, ‘gerado’ de Maria, a virgem, a Deípara, segundo a humanidade; um só e o mesmo Cristo, Filho, Senhor, unigênito, reconhecido em duas naturezas, sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação, não sendo de modo algum anulada a diferença das naturezas por causa da sua união, mas, pelo contrário, salvaguardada a propriedade de cada uma das naturezas e conconrrendo numa só pessoa e numa só hipóstase; não dividido ou separado em duas pessoas, mas um único e o mesmo Filho, unigênito, Deus Verbo, o Senhor Jesus Cristo, como anteriormente nos ensinaram a respeito dele os Profetas, e também o mesmo Jesus Cristo, e como nos transmitiu o Símbolo dos Padres” (Denzinger – Hunermann, 301-302).
1 – Nova atualização do mistério revelado de Jesus Cristo, em plena conformidade com a tradição da Igreja.
2 – Ponto inicial: união da divindade com a humanidade em Jesus Cristo.
3 – Estabelece a distinção das duas naturezas: “ele mesmo” é consubstancial com o Pai, pela divindade, e conosco, pela humanidade.
4 – Por causa do reducionismo do monofisismo, necessário acentuar a consubstancialidade de Jesus conosco, na humanidade.
5 – Dupla origem: gerado pelo Pai desde toda a eternidade, como Deus, e gerado em Maria Santíssima, no tempo, em sua humanidade.
6 – Dupla “solidariedade” com o divino e o humano, como motivação soteriológica, também ressaltada pelo título dado a Maria de “Mãe de Deus” (theotokos).
7 – Coexistem no mistério de Jesus Cristo a unidade e a distinção.
8 – Agora, distinguem-se, claramente, os conceitos de pessoa (hypostasis, prosópon) e natureza (physis).
9 – O mesmo Senhor e Cristo, o Filho unigênito, é uno em duas naturezas, SEM CONFUSÃO NEM MUDANÇA (contra Êutiques) e SEM DIVISÃO NEM SEPARAÇÃO (contra Nestório).
10 – A expressão “em” (en) duas naturezas destaca que a dualidade continua depois da união. Cristo não é somente “de” (ek) duas naturezas, como Êutiques defendia, mas é também “em” (en) duas naturezas.
11 – Portanto, a união hipostática do Verbo com a humanidade mantém a alteridade da humanidade na mesma pessoa.
12 – A humanidade não é absorvida pela divindade.
13 – “Sem confusão nem mudança” quer dizer que a distinção das duas naturezas perdura e se conservam as propriedade de cada uma delas.
14 – “Sem divisão nem sepração” indica que as duas naturezas não se justapõem apenas, como se fossem sujeitos subsitentes distintos.
15 – o que pertence a cada uma das duas naturezas fica “salvaguardado”, confluindo, realmente, numa única pessoa (prosòpon) e hipóstase (hypostasis). Jesus mesmo age como Deus e como homem, assim como ele é, ao mesmo tempo, Deus e homem.
Argumentações modernas
1 – É importante uma resolução ontológica do mistério Jesus Cristo? É, em essência, útil? Não seria mais importante afirmar a importância de Cristo para nós? (Lutero).
2 - “Ajuda-me porque é Filho de Deus ou é Filho de Deus porque me ajuda? (Bultmann radicalizando a opinião de Lutero).
3 – O Concílio de Calcedônia e a tadição pós-conciliar não separaram a função de Jesus do seu ser. Ora, o seu ser é o fundamento de sua ação salvífica em nosso favor. É evidente que “função e ontologia” são interdependentes, ligam-se necessariamente.
4 – K. Rahner afirma que a autenticidade e a realidade da humanidade de Jesus não são, de fato, inversamente, mas diretamente proporcionais à sua união com Deus. Segue-se que, “Tornando-se homem, o Filho de Deus faz-se, de forma pessoal, sujeito das experiências humanas”.
5 – O mistério da união hipostática exclui qualquer relação recíproca de dois sujeitos em Jesus Cristo.
Realidade atual das igrejas que não seguiram Calcedônia
1 – Igreja copta no Egito.
2 – Igrejas armênias.
3 – Igreja siríaca ortodoxa
Diálogo ecumênico
1 – Papa Paulo VI e os chefes dessas Igrejas não-calcedônias emitiram profissão de fé cristológica comum.
2 – Papa João Paulo II e essas mesmas autoridades também professaram a mesma fé.
Resultado: Se mantivermos profundo interesse pela verdade, clareza linguística e caridade, permaneceremos unidos, apesar de nossas limitações.
Bibliografia: Introdução à cristologia de Jacques Dupuis; Denzinger – Hunermann.